Líderes de movimentos separatistas brasileiros veem no resultado do plebiscito no qual os britânicos votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia um bom momento para conquistar novos adeptos.
Eles não são necessariamente novos ─ a maioria surgiu nas décadas de 80 e 90, como O Sul é meu País e o Grupo de Estudos para o Nordeste Independente (Gesni), fundamentados em um histórico de revoluções como a Praieira (1850), e as guerras do Contestado (1912) e dos Farrapos (1845), entre outras.
Há movimentos mais recentes, que afirmam ter "ares mais modernos", inspirados nas demandas da Catalunha e da Escócia ─ caso do Movimento São Paulo Livre, criado logo após as eleições presidenciais de 2014.
Na origem, grande parte desses grupos baseava seus discursos em um tripé que geralmente envolvia falta de representatividade no Congresso, contribuição fiscal versus o retorno recebido do governo federal e diferenças culturais.
Hoje, incorporaram como justificativas temas atuais, como a crise política e a fragilidade da economia brasileira.
Influência do 'Brexit'
Além dos fatores internos, o contexto internacional também é usado pelos grupos, que falam em um "fracasso da globalização" ─ corroborado, na visão de vários deles, pela decisão britânica de deixar a União Europeia.
Para esses movimentos, há a imposição de uma cultura e de economia central em detrimento dos movimentos locais.
"Quando a Inglaterra saiu da União Europeia, começamos a ver que outras coisas impensáveis poderiam acontecer, como São Paulo sair do Brasil. Sei que temos diferença com a Inglaterra, que é um país independente que sai de uma estrutura multinacional, e que São Paulo ainda é um Estado preso dentro de uma federação", diz Flavio Rebello, presidente do movimento que quer a separação paulista.
"Mas dá para fazer um paralelo interessante: o que aconteceu é a vitória do poder local sobre um poder maior tido como distante e burocrático. Nesse sentido, o paralelo com o SP Livre é total."
O grupo dele, ao lado de outros separatistas como o Sul é o Meu País, está mobilizando esforços para a realização de um plebiscito no dia 2 de outubro para avaliar o apoio popular para a separação.
Em São Paulo, a votação está sendo chamada de "Sampadeus". A divulgação é feita através pela internet e com distribuição de panfletos.
"O Brexit não é um movimento separatista, mas mostra que não é possível matar a cultura local. O Brasil sempre buscou a união na marra. Se o Brasil calcasse sua identidade pela diversidade do povo, mas não: pegou todas as culturas e transformou todos em brasileiros", justifica Celso Deucher, diretor de mobilização estratégica do Sul é o Meu País, quer a emancipação dos três Estados do Sul.
"Somos diferentes, queremos fazer nossas próprias leis com nossos costumes, hábitos e tradições", acrescenta Deucher.
Apesar de reforçar as diferenças culturais, ele afirma que o movimento respeita todas as culturas e minorias.
"A separação precisa ser democrática, as pessoas precisam ir lá votar no nosso plebiscito nem que seja para dizer que não querem. Nosso movimento é pacífico, e não há segregação. Temos negros, homossexuais, mulheres, estrangeiros, muita gente fazendo parte", diz.
'Nordexit'?
Autor do livro Nordeste Independente e representante do grupo que quer a separação da região do restante do país, Jaques Ribemboim vem discutindo o tema há mais de 20 anos e acredita que não houve momento melhor para propagar as ideias.
Professor universitário e com pós-doutorado em Sistemas Produtivos Locais na Universidade Pierre Mendes, na França, ele acredita que, além dos fatores externos e internos, a juventude atual está mais aberta a discutir mudanças, o que favoreceria os movimentos separatistas.
"É um momento oportuno para conquistar novos adeptos. Separatismo dentro do Brasil é um tabu, se tornou algo impensável. Eu lhe asseguro que hoje temos mais chance de sucesso do que no passado", aposta.
"O jovem aprendeu a rever conceitos, é mais liberal na recepção de novas ideias. É capaz de dialogar sobre prós e contras sem aversão inicial à ideia. Ou seja: separatismo entre jovens não tem o mesmo estigma de tabu que tinha no passado, e nossas ideias terão uma ampla aceitação."
Ele também reforça o papel do Brexit para agregar mais simpatizantes à discussão.
"É claro que um movimento separatista tende a ter mais sucesso e maior adesão em períodos de crise. De certo que a crise econômica e politica e a descrença nos nossos representantes no governo de forma geral e algumas movimentações aqui e ali no exterior estimulam de alguma forma o desejo separatista, e mostram que ele é algo possível", afirma.
Falta de apoio
Ainda que os líderes desses grupos acreditem na possibilidade de uma insurgência separatista, esses movimentos ainda são inconstitucionais no Brasil.
Logo no primeiro artigo da Constituição está definido que a República Federativa do Brasil é "formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal".
O professor de antropologia social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ruben George Oliven, autor do livro A Parte e o Todo, sobre a diversidade cultural do Brasil, afirma que há muitos obstáculos para que os grupos separatistas tenham sucesso.
Para ele, embora esses movimentos estejam animados com o que está acontecendo na Europa, a ideia não é viável.
"Legalmente não se pode separar o Brasil, portanto do ponto de vista jurídico é crime. Na atual conjuntura jurídica não existe possibilidade de um plebiscito sobre isso. Em segundo lugar, não há um partido político sequer que abrace essa causa, de qualquer tendência ideológica, muito menos grupos econômicos interessados nisso, nem empresários nem sindicatos, porque todos teriam muito a perder", afirma.
Oliven cita plebiscitos que ocorreram em outras partes do mundo para justificar outro elemento que, segundo ele, pesa contrário ao separatismo no Brasil: o sentimento de "pertencimento" que os brasileiros, em geral, têm com o país.
"Mesmo que houvesse um plebiscito, duvido que alguma região majoritariamente faria a opção pela separação", opina.
O professor cita o caso da província de Québec, no Canadá, que embora tenha "um forte sentimento de cultura própria", decidiu em plebiscitos permanecer no país.
"As pessoas pesam coisas diferentes: como vai ficar minha aposentadoria, sistema de saúde, enfim. Uma coisa é você se sentir muito diferente, outra é não querer mais ser brasileiro."
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