Prestes a reiniciar protestos, Movimento Passe Livre quer deslocar eixo principal de discussões da internet para encontros físicos na periferia.
MPL repete fórmula de 2013, mas promete levar protestos do centro para a periferia
"Primeiro Grande Ato Contra a Tarifa", diz o novo evento do MPL (Movimento Passe Livre) no Facebook. A sensação é de déjà vu: com formato idêntico ao das manifestações de 2013, o convite marcado para a próxima sexta-feira, em São Paulo, já foi visto por 310 mil pessoas - 35 mil confirmaram presença.
Um ano e meio depois de trazer dor de cabeça para governos em todo o país, a "fórmula MPL de protestos" - com foco em compartilhamentos em massa, grandes eventos online e frases de efeito nas redes sociais - está de volta. O movimento que prega gratuidade nos transportes, entretanto, diz que o verão de 2015 será diferente da primavera que o tornou conhecido Brasil afora.
A principal mudança é o deslocamento das atividades para regiões periféricas. "Vimos vários atos acontecendo no centro em 2013. Agora entendemos que isso deve ir além. A luta tem que estar na periferia, de baixo para cima", diz a estudante de Letras Andreza Delgado, porta-voz do MPL.
A mudança não é só geográfica: se em junho de 2013 a internet foi o principal eixo de discussões sobre os protestos, agora a mobilização offline deve ganhar mais força.
"Dizem que o MPL saiu das ruas. Não saiu. Fomos consolidar nosso trabalho nos bairros, junto à população", diz Delgado. "Neste ano, vamos ter mais atividades (na periferia) do que protestos", completa.
Estratégia
Nove capitais brasileiras já tiveram tarifas reajustadas até o fechamento desta reportagem: Aracaju, Belo Horizonte, Boa Vista, Florianópolis, Fortaleza, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.
Em São Paulo, por exemplo, o valor dos bilhetes saltou de R$ 3 para R$ 3,50 nesta terça-feira. No Rio, as passagens de ônibus subiram de R$ 3 para R$ 3,40.
Em nota, a prefeitura paulistana comenta o aumento. "Desde o último reajuste, em janeiro de 2011, a inflação acumulada foi de 27%. O reajuste da tarifa básica, de R$ 3,00 para R$ 3,50, ficou abaixo disso, em 16,67%."
Não satisfeito, o MPL diz querer ganhar mais força nesta retomada a partir do equilíbrio entre as mobilizações online e offline. "Na internet a gente não consegue travar um diálogo mais profundo", diz a porta-voz do grupo.
Para aprofundá-lo, o movimento tem realizado debates, mostras de literatura e cinema, oficinas de produção de camisetas e estêncil em bairros distantes das regiões centrais.
Recentemente, no Campo Limpo, zona sul de São Paulo, o tema de discussão foi "Passe livre estudantil x Tarifa zero". Em Marsilac, na mesma região, o grupo reuniu moradores para discutir soluções de "transporte coletivo autogerido".
O movimento também diz ser procurado por escolas públicas para participar de debates. "Os próprios alunos ou professores costumam organizar. A diretoria é mais difícil", afirma Delgado.
Internet
Fora da periferia, as redes sociais ainda são o principal local para a marcação de protestos e repercussão em grande escala das atividades do movimento.
Só no Facebook, a reportagem mapeou 109 páginas sobre "passe livre" em locais que vão de Belém (Pará), a São Gonçalo (RJ) - a conta não inclui a banda gospel curitibana Passe Livre, nem uma academia de ginástica homônima em Itaquaquecetuba (SP).
Em seu perfil oficial, o grupo se define como "movimento social autônomo que luta por um transporte verdadeiramente público, sob controle popular e sem catracas". Sobre os aumentos recentes, o grupo é categórico: "Não aceitaremos nenhum centavo a mais! Agora é de R$ 3 para baixo, até zerar".
O modelo bem-sucedido de mobilização digital do MPL - que chegou a reunir em um só dia mais de um milhão de pessoas nas ruas - tem sido reproduzido por coletivos com interesses distintos.
O grupo "Revoltados on-line", por exemplo, usou a estratégia ao convocar descontentes para passeatas a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Neste caso, distante dos defensores do fim das catracas, parte dos presentes pedia intervenção militar no país.
Aulas públicas
Na tentativa de evitar a apropriação das passeatas por movimentos com interesses contrários, a tática de "aulas públicas" também deve ganhar força neste ano. Na prática, trata-se de encontros promovidos em praças e transmitidos em tempo real pela internet, onde convidados e plateia compartilham experiências sobre transporte e mobilidade nas cidades.
Já comuns nas áreas periféricas, a primeira versão no centro aconteceu nesta segunda-feira, em São Paulo, e reuniu 350 pessoas.
O principal palestrante foi o engenheiro Lúcio Gregori, ex-secretário municipal de transportes da capital, defensor de uma política de subsídios para o transporte público e do fim das catracas.
"A margem de lucro das empresas de ônibus vai de 26% a 34%. Se nos últimos 10 anos tivesse sido de 12%, a prefeitura teria economizado R$ 6,9 bilhões, que poderiam ser aplicados no subsídio", disse à plateia aglomerada sobre o Viaduto do Chá, cartão postal da cidade.
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