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O jogo de 'morde e assopra' da Rússia com a Ucrânia
Dmitri Trenin
Especial para a BBC*
Atualizado em 17 de dezembro, 2013 - 20:42 (Brasília) 22:42 GMT
Para o presidente da Rússia, Vladimir Putin, relações internacionais significam competição, que se intensifica a cada dia. A relação com a Ucrânia não deixaria de ser diferente.
Putin reiterou esses principais no discurso do Estado da Nação, na semana passada. Os principais competidores são “grandes unidades geopolíticas”: os Estados Unidos, a China e a Europa, ainda que os europeus não tenham uma estratégica unificada.
Para ganhar competitividade, a Rússia precisa expandir seu poder, criando uma união econômica, política e militar na Eurásia.
Segundo Putin, a Rússia não é apenas uma unidade estratégica. Também teria uma civilização à parte, que compartilha com outros países, como a Ucrânia e Belarus. Essa civilização é cristã e europeia, mas não é uma simples extensão da Europa Ocidental ou da União Europeia. Pelo contrário, quer ser tratada como entidade em pé de igualdade.
Velhos aliados soviéticos
A crise mundial fez Putin relançar o já atrasado projeto de integração econômica da Eurásia.
Em 2009, Moscou começou a trabalhar seriamente com uma união aduaneira com Belarus e o Cazaquistão. Em 2012, a união se aprofundou, colocando os três países em um espaço econômico único. O objetivo agora é o estabelecimento da União Econômica Eurasiana, em 2015.
Outros duas ex-repúblicas soviéticas, a Armênia e o Quirguistão, já se candidataram a ser membros da união. Mas é a Ucrânia, com 46 milhões de habitantes e a segunda economia da região (atrás dos russos), o país que realmente faria diferença no projeto de Putin.
Rússia faz aceno bilionário à Ucrânia
O presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, esteve nesta terça-feira na Rússia, onde encontrou o colega Vladimir Putin.
Os dois assinaram vários acordos. A Rússia ofereceu um desconto de quase um terço no preço do gás e se disse disposta a comprar bilhões de dólares em titulos ucranianos.
Os dois presidentes negaram ter discutido a união aduaneira entre os dois países, que substituiria a integração com a Europa.
Em Kiev, a oposição pediu mais detalhes sobre o encontro e querem saber exatamente o que Yanukovych ofereceu em troca da generosidade russa.
Diferente do senso comum, Putin não impôs sanções. Ele oferece grandes incentivos ao presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych: gás a preço barato, cooperação em grandes projetos industriais e crédito barato. Ele também apelou à unidade dos povos eslavos, a maioria cristãos-ortodoxos, e ao papel proeminente dos ucranianos no império russo e na União Soviética.
Basicamente, Putin convidou todo mundo a entrar no mesmo barco com a Rússia novamente.
A questão é que toda a elite da Ucrânia tem um projeto puramente nacional, que vê a Ucrânia independente da Rússia, sobretudo.
Mesmo o presidente Yanukovych e o primeiro-ministro Mykola Azarov, além dos magnatas do leste da Ucrânia, região onde se fala o russo, não querem ouvir falar de integração. Eles não se importam com acordos comerciais, mas uma integração os deixaria sem poder.
O Partido das Regiões, do governo, prefere o status quo. Mas a maioria da população, e da oposição, quer ir em direção à União Europeia.
Kiev então anunciou sua intenção de assinar um acordo de associação e de livre comércio com a União Europeia, ainda que mantendo seus laços comerciais com a Rússia.
Músculo russo
Percebendo que Kiev queria tomar as próprias decisões, Putin deixou claro que os ucranianos teriam de fazer uma escolha. Ele também fez questão de mostrar à Ucrânia os custos de se voltar à Europa.
A insperação sanitária russa achou problema com os doces da Ucrânia e a alfândega passou a segurar por mais tempo as mercadorias ucranianas na fronteira. A gigante russa Gazprom fez questão de lembrar da dívida ucraniana.
A estrategia russa parece ter surtido efeito, com a decisão de Yanukovych de suspender as negociações com a União Europeia. Mas os protestos em Kiev acabaram pondo as coisas em outra direção.
Moscou também está genuinamente irritada com a União Europeia, com o que considera com uma interferência na Ucrânia.
Se a Ucrânia pender para a Rússia, Moscou terá de gastar bilhões para ajudar as contas de Kiev e para dar competitividade à sua indústria ineficiente.
Ainda que a Ucrânia consiga uma posição privilegiada na União Eurasiana, os protestos mostram que os ucranianos vão continuar tentando escapar da órbita russa.
Por outro lado, se a União Europeia ajudar a Ucrânia a ser tornar mais moderna, ainda que a um algo custo para os dois lados, a Rússia seria indiretamente beneficiária.
Nesse caso, a Ucrânia seria um vizinho previsível e com melhor ambiente para negócios - sem pagar um único rublo. Se essa for a opção, será uma perda no curto prazo para Putin e um ganho de longo prazo para a Rússia.
*Dmitri Trenin é diretor do Carnegie Moscow Centre, em Washington, e analista das relações internacionais da Rússia
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