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A Copa não acabou


Os estádios construídos para o evento dão prejuízos. Pior, boa parte é bancada com dinheiro público. Dois anos após o fim do Mundial, o cidadão continua a pagar por ele. E continuará a pagar por muito tempo



RODRIGO CAPELO



7 x 1 eterno  (Foto: Otavio Silveira)




















Faz dois anos que o alemão Mario Götze, aos oito minutos do segundo tempo da prorrogação, matou o cruzamento que veio da esquerda no peito e, quase dentro da pequena área, acertou o voleio que decidiu a partida. No Maracanã, a Alemanha bateu a Argentina e venceu a Copa do Mundo pela quarta vez na história. De lá para cá os argentinos jogaram – e perderam – mais duas finais em Copas Américas. Os alemães deixaram passar uma Eurocopa para, quem diria, Portugal. A Seleção Brasileira dispensou Luiz Felipe Scolari, o técnico do 7 a 1, recontratou e já demitiu Dunga, quem a fez cair na primeira fase da Copa América. Mas algo não mudou. O Brasil – mais especificamente, você, cidadão – continua a pagar a Copa.
Quando se fala em arena, ou em qualquer obra, uma coisa é a construção, outra é a operação. O Brasil já gastou bilhões de reais para levantar os estádios da Copa e as estruturas da Olimpíada noRio de Janeiro. Isso não tem volta. O que você precisa considerar, agora e nos próximos anos, é quanto dinheiro ainda vai gastar com a manutenção dessas instalações esportivas. O custo do legado doParque Olímpico da Barra passa de R$ 1,4 bilhão nos próximos 25 anos – voltaremos a este tópico na véspera da Olimpíada. O preço do legado da Copa está aberto. Aumenta a cada ano com os prejuízos anuais dos estádios. Abaixo, você vai descobrir qual é o quadro e, nos links, as situações individuais das novas arenas brasileiras.
ÉPOCA coletou nos últimos seis meses as demonstrações financeiras e os documentos de 15 novos estádios brasileiros, um legado deixado pela Copa. Além dos 12 que receberam jogos no Mundial, foram considerados Allianz Parque, do Palmeiras, Arena do Grêmio e Independência, todos reformados no mesmo período e nos mesmos padrões. A falta de transparência dificulta. Mato Grosso, Distrito Federal e Amazonas são três governos que informam apenas os dados referentes a 2015. Os números de 2014 e 2013, como estavam sob a batuta de outros governadores, sumiram. As empresas que gerem o Castelão, no Ceará, ignoraram os contatos feitos por três meses até que o governo cearense, a pedido de ÉPOCA, cobrou do consórcio o envio das informações solicitadas. Elas chegaram aos 45 do segundo tempo para fechar a reportagem.
Os documentos apontam prejuízos para todo lado. Dos 15 estádios analisados, só a Arena Corinthians e o Beira-Rio tiveram lucro operacional em 2015. Entender a matemática é importante para seguir adiante. O que chamamos aqui de lucro ou prejuízo operacional é o saldo entre as receitas e as despesas antes de considerar juros. As empresas chamam isso de Ebitda. O governo, de superávit primário. Os juros, no caso dos estádios, são gerados pelos empréstimos e pelas emissões de debêntures tomados para financiar a construção. Não que os juros sejam desimportantes, mas neste cálculo eles são deixados de lado para que se diagnostique a saúde financeira do negócio fim da companhia. Se a arena já consegue receita suficiente para pagar sua despesa e sobrar alguma coisa, mesmo que essa sobra ainda não pague a dívida da construção, ela demonstra ser economicamente viável. É um bom sinal. Se não tem dinheiro sequer para se bancar, é um problema. No Brasil, estamos cheios desses problemas. E muitos deles pagos com dinheiro público.
ÉPOCA dividiu os estádios em três grupos: os administrados por governos, os privatizados por meio de parcerias público-privadas (PPPs) e os privados. Mesmo em cada grupo os modelos de negócio divergem, mas assim, ao menos, as comparações ficam mais justas.
Arena Pantanal (Foto: Daniel Marenco / Folhapress)










No primeiro grupo se enquadram a Arena Pantanal (Cuiabá), o Mané Garrincha (Brasília) e a Arena da Amazônia (Manaus). Os três deram um prejuízo somado de R$ 17,2 milhões em 2015. Como nunca foram privatizados, são ralos de dinheiro público. Todo centavo que falta para pagar as despesas sai das contas dos endividados governos estaduais. O grupo de arenas administradas pelo estado ganhou novo membro em 2016: a Arena Pernambuco (Recife), cuja concessão para a Odebrecht foi rescindida em abril. Isso significa que o prejuízo do estádio, R$ 27,4 milhões em 2015, passa a ser pago com dinheiro público pernambucano a partir de 2016.
Paremos um instante para dimensionar os prejuízos. Só os números podem não dar a noção de quanto representam. Os R$ 4,2 milhões desperdiçados pela Arena Pantanal em 2015 construiriam duas escolas em assentamentos no Mato Grosso. Os R$ 6,5 milhões perdidos com o Mané Garrincha pagariam a construção de três unidades básicas de saúde no Distrito Federal. Os R$ 6,5 milhões queimados pela Arena da Amazônia bancariam três novas escolas indígenas em comunidades distantes de Manaus. Os R$ 27,4 milhões em prejuízos da Arena Pernambuco permitiriam ao Estadodobrar os investimentos em ações contra o Aedes aegypti, entre compra de equipamentos para o combate ao mosquito e estruturação de centros para tratar crianças com microcefalia. Os prejuízos são relativamente baixos, no mundo das contas públicas, mas custam caro para a sociedade.
Maracanã (Foto: Buda Mendes / Getty Images)










No segundo grupo, dos estádios privatizados por meio de parcerias público-privadas (PPPs), estão a Arena das Dunas (Natal), o Castelão(Fortaleza), a Fonte Nova (Salvador), o Mineirão (Belo Horizonte), oIndependência (Belo Horizonte) e o Maracanã (Rio de Janeiro). O fato de estarem nas mãos de empresas privadas não os livram de desperdiçar dinheiro público. Dos seis estádios, só o Maracanã e o Independência não recebem repasses de governos estaduais.
Não quer dizer que uma PPP não possa ter dinheiro público. Na PPP ideal, o Estado entrega o estádio para a administração privada, estabelece mecanismos de incentivo à boa gestão e se livra dos prejuízos. O governo repassa dinheiro à concessionária para pagar a construção e ajudar na manutenção, mas põe condições. Se a arena não for bem avaliada por torcedores, se não tiver licenças ambientais, se não estiver disponível aos clubes ou se não der lucro, o estado reduz o valor pago ao operador. Na PPP ideal a mesma empresa que constrói depois assume a operação, e os pagamentos públicos só começam depois que a construção terminar. Isso estimula o uso dos melhores materiais e acelera a conclusão das obras, segundo Guilherme Naves, sócio da consultoria Radar PPP.
No Brasil, no setor de arenas, as PPPs foram distorcidas. Em Pernambuco e na Bahia os governos prometeram às construtoras depositar verbas adicionais caso elas tivessem prejuízos. No Ceará, o estado desperdiçou a oportunidade de condicionar os repasses públicos a índices de desempenho – só 2% do valor do contrato foram atrelados à boa gestão, no cálculo de Naves. No Rio e em Minas Gerais, os governos jogaram fora a possibilidade de “parcelar” os custos das construções do Maracanã e do Independência. Ambos pagaram às construtoras à vista e não têm perspectiva de recuperar o dinheiro. No Rio Grande do Norte os repasses públicos cobrem com sobras as despesas da arena. Por que a operadora se esforçaria para fazer a operação dar lucro? De diferentes modos os governadores estaduais fizeram negócios confortáveis para as construtoras: elas não têm estímulos à boa gestão. O único caso que se aproxima da PPP ideal é o do Mineirão, que perdeu parte da verba pública por dar prejuízo.




Isso ajuda a explicar por que arenas privatizadas, mesmo onde há futebol tradicional, tiveram gordos prejuízos operacionais em 2015. No cálculo ÉPOCA desconsiderou os valores recebidos pelas operadoras por meio de contraprestações públicas. O resultado operacional – de novo – é a diferença entre as receitas e as despesas antes de juros ou repasses públicos. Nenhuma arena consegue dinheiro suficiente nem sequer para pagar os próprios gastos. Maracanã, Mineirão e Fonte Nova têm prejuízos que excedem os R$ 20 milhões mesmo com as partidas regulares de Flamengo, Fluminense, Cruzeiro e Bahia. A Arena das Dunas e o Castelão têm perdas menores, mas estão em estados onde os principais clubes estão em divisões nacionais inferiores e, portanto, levam menos público e geram menos arrecadação. Ninguém se salva.
Os contratos desequilibrados e os prejuízos têm causado um efeito em cascata no Brasil: as concessões desabam uma a uma. Em países com mercados esportivos desenvolvidos, arenas são geridas por empresas especializadas. No Brasil, políticos as entregaram para empreiteiras como OdebrechtOAS e Andrade Gutierrez. Depois que foram detonadas financeiramente pela Operação Lava Jato, essas construtoras decidiram que não querem mais brincar de estádio. A OAS, quebrada, anunciou o interesse em vender as concessões da Arena das Dunas e dos 50% que detém na Fonte Nova. A Odebrecht não fala abertamente, mas negocia a venda da concessão do Maracanã. A Arena Pernambuco, cujo contrato já foi rescindido, também era da Odebrecht. O lado perverso da quebradeira de empreiteiras é que, conforme privatizações de arenas sucumbem, as arenas voltam para as mãos do estado. E os prejuízos passam a ser pagos com o dinheiro do bolso do cidadão.
Arena Corinthians (Foto: Carlos Nardi / WPP / Folhapress)










O terceiro e último grupo, totalmente privado, também está afundado em prejuízos. A Arena Corinthians e o Beira-Rio têm lucros operacionais, antes de considerar os juros, mas estão no vermelho quando os empréstimos tomados para as construções entram na conta. A WTorre praticamente empatou em receitas e despesas do Allianz Parque, o estádio do Palmeiras, mas também está longe do azul com os juros. A Arena do Grêmio sofreu com a ruptura entre o clube gaúcho e a OAS e encaminha para um novo modelo: o Grêmio quer comprar a gestão e tirar a empreiteira de campo. A Arena da Baixada, toda administrada pelo Atlético-PR, sem terceiros, ainda não tem receita suficiente para se bancar. A diferença entre esse grupo e os anteriores é que não há dinheiro público. Corintianos e palmeirenses, atleticanos, colorados e gremistas podem se chatear com os estragos financeiros que os estádios deficitários fazem em seus times. Mas o coletivo dos cidadãos paulistas, paranaenses e gaúchos não têm nada a ver com isso.
É natural que, como um time de futebol recém-formado, as arenas levem tempo até chegar ao azul. É o que o mercado chama de break-even. Ficar no zero a zero. Começar a dar lucro. O problema é que muitos estádios não têm público nem eventos suficientes para arrecadar mais. Os números de 2015, a primeira temporada completa, servem como base. As perdas são eternas e, pior, bancadas com dinheiro público. A última hipótese, impopular, é demolir. “Em Portugal fizemos estudos de viabilidade econômica que mostraram que era mais barato implodir do que pagar pela manutenção por 20 anos”, diz Pedro Daniel, consultor da BDO RCS. “Quem quer sair do buraco precisa parar de cavar. O Brasil não parou de cavar.”
Os prejuízos das novas arenas brasileiras  (Foto: Época )

























































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