Macri negocia para que Maduro não lidere grupo enquanto Brasil propõe pospor decisão
Buenos Aires / Montevideo
O Mercosul entrou em uma profunda crise. Desta vez o motivo não são os de costume, como a estagnação de novas negociações com a União Europeia entre outros problemas crônicos. Agora é algo mais fundamental que pode implodir o grupo. Vários dos sócios contestam a presidência iminente da Venezuela no bloco, a quem corresponderia, pela regra de rotatividade, assumir nos próximos seis meses um papel de destaque em meio a uma profunda crise interna e denúncias sobre a perseguição da oposição. O Paraguai rejeitava abertamente a possibilidade, enquanto Argentina e Uruguai, inicialmente, pareciam dispostos a ceder a cadeira a Nicolás Maduro. Agora, o presidente argentino, Mauricio Macri, deu uma guinada de posição e aposta abertamente por bloquear o caminho do país do Caribe. Já o Brasil, fragilizado pelo Governo interino de Michel Temer, fez sua proposta intermediária nesta terça: quer ganhar tempo e adiar o veredito, previsto para o dia 12 de julho, para meados de agosto.
O ministro interino das Relações Exteriores do Brasil, José Serra, viajou inesperadamente a Montevidéu nesta terça-feira e pediu que a transferência da presidência rotativa do Mercosul para a Venezuela seja adiada, sob o argumento de que o país caribenho não cumpre certas condições “em matéria de normas e questões cambiais”. O adiamento seria até agosto, e, daqui até lá, seria realizada uma reunião do Mercosul com a pauta focada na Venezuela, disse o ministro. Fontes próximas de Macri dizem que ele está negociando com vários países para evitar a presidência do país de Maduro, ainda que não haja nada fechado. É uma mudança em relação a dias atrás, quando a chanceler argentina, Suzana Malcorra, exibia uma posição mais suave, atribuída por alguns na Argentina à sua campanha para se tornar secretária-geral da ONU, uma disputa para a qual precisa dos votos da Venezuela e seus satélites.
O pedido feito pelo Brasil e o posicionamento da Argentina colocam o Governo uruguaio em posição difícil, já que este havia anunciado que fará a passagem de seu atual poder para Nicolas Maduro daqui a uma semana, no dia 12 de julho. O Paraguai, por sua vez, havia pedido a realização de uma reunião para avaliar a situação da Venezuela, a qual foi agendada para um dia antes, na segunda-feira 11 de julho, também em Montevidéu e com a presença apenas dos chanceleres de cada país.
“Pedimos mais tempo para o Uruguai”, disse o ministro brasileiro depois de se reunir em Montevidéu com o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, e o ministro das Relações Exteriores do país, Rodolfo Nin Novoa. Este último havia recusado a adoção de qualquer medida contrária à Venezuela, e, nesta segunda-feira, havia afirmado aos meios de comunicação locais que não houve na Venezuela nenhuma “interrupção da ordem democrática” e que, por isso, não há razões jurídicas para suspender a transferência de poder.
Declarações “amorais” do Brasil
Questionado pelos jornalistas, Serra evitou falar sobre a situação política interna da Venezuela e atribuiu o seu pedido exclusivamente a questões burocráticas relacionadas à adesão do país à organização regional. É improvável que os assuntos legais e normativos da Venezuela sejam resolvidos até agosto, mas, ao longo desse mês, Serra espera ser confirmado como chanceler e ter uma posição mais forte para a negociação. “Estou convencido, e não sou apenas eu, mas toda a classe política do Brasil, que o Senado irá aprovar por dois terços o impeachment”, disse Serra, acrescentando que tanto os partidários do PT quanto a própria presidenta afastada têm a mesma avaliação. A votação decisiva está prevista para ocorrer depois dos Jogos Olímpicos do Rio.
O atual chanceler brasileiro sempre foi contrário à participação da Venezuela no bloco e já criticou Caracas publicamente por não cumprir as regras alfandegárias. O país do Caribe integra o Mercosul desde junho de 2012 e já assumiu uma vez a presidência rotativa do organismo, de julho de 2013 a julho de 2014. Já como ministro Serra também defendeu a realização, o quanto antes, do referendo revogatório de Maduro, no centro da crise política venezuelana.
A proposta brasileira azedou ainda mais as relações entre Brasília e Caracas. Enquanto Serra estava em Montevidéu, a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, usou o Twitter para contestar seu colega: “A República Bolivariana da Venezuela rechaça as insolentes e amorais declarações do chanceler interino do Brasil”. Ela acusou o brasileiro de se unir à “ala direita” contra o seu país. A tensão não para de crescer e a reunião de cúpula do dia 12, que precisamente foi pensada sem os mandatários para tentar acalmar os ânimos, se desenha muito complicada.
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