PAULOSALDANA
Relatório do Comitê sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas ainda indica preocupação com abandono da questão do gênero por Estados e municípios, desigualdade educacional e privatização da educação
O Comitê sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) mostrou preocupação com os cortes de orçamento na área da educação no Brasil e recomendou aumento nos investimentos no setor. O relatório, finalizado no início deste mês, destacou que o comitê está preocupado que as estratégias destinadas a eliminar a discriminação com base na orientação sexual e raça tenham sido removidas dos Planos de Educação de vários estados. O acesso educacional igualitário à crianças em situação de vulnerabilidade, negros e moradores de zonas rurais e de áreas remotas também tiveram atenção especial no documento.
Com 24 páginas, o documento é a atualização que o comitê da ONU realiza a cada cinco anos sobre os países signatários da Convenção sobre os Direitos da Criança. Os 18 peritos independentes que compõem o órgão analisam as informações fornecidas pelo governo brasileiro e pela sociedade civil.
Além de indicar preocupação com os cortes de orçamento, o comitê recomenda que o País “aumente o investimento no setor educacional para fortalecer a educação pública e priorizar a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE)”. O PNE é uma lei aprovada no ano passado e elenca metas a serem alcançadas em dez anos. Para financiar as ações, o plano indica a necessidade de aumentar o investimento em educação para 10% do Produto Interno Bruto (PIB).
Desde o final do ano passado o governo federal tem cortado orçamento para educação. Programas, como por exemplo o de Dinheiro Direto na Escola (PDDE), bolsas para iniciação à docência e do Pacto de Alfabetização, tiveram atrasos. Governos estaduais, como o de São Paulo, também realizaram cortes neste ano.
Entre as recomendações, o documento cita a necessidade do investimento em infraestrtura escolar, incluindo acesso à água e saneamento básico, particularmente nas áreas rurais e remotas. Inclui a necessidade de “alocar adequado recursos humanos, técnicos e financeiros e também formação de qualidade para os professores a fim de garantir educação de qualidade para crianças indígenas e que moram no campo ou em áreas remotas”.
Em caso de escassez de recursos, a ONU indica que a educação pública seja priorizado em detrimento ao privado. O avanço da privatização da educação, como a adoção por parte de municípios de sistemas de ensino padronizado, é criticada pelo documento. O comitê se coloca contrário ao avanço do número de escolas sob a responsabilidade da Polícia Militar.
Para Maria Rehder, coordenadora de projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, foi muito positivo que o comitê tenha se posicionado sobre a situação atual. “Para nós, a grande conquista do documento é o comitê ter reconhecido a questão dos impactos do ajuste fiscal na educação e a preocupação com os reflexos negativos no atendimento ao Plano Nacional de Educação. São acontecimentos dos últimos dois meses”, explica ela.
A Campanha, Ação Educativa, Anced e Conectas atuaram juntas representando a sociedade civil para apresentar o contexto atual da educação no Brasil. Os membros do comitê aceitaram receber as entidades três horas antes da agenda com o governo brasileiro para que houvesse uma atualização da situação. Também receberam uma cópia em inglês do PNE. “A própria recomendação sobre infraestrutura das escolas é reflexo da apresentação que fizemos sobre o Custo-Aluno Qualidade”, diz Maria.
Outro reflexo da atuação da sociedade civil é a preocupação com a questão de gênero. O documento indica que o comitê está preocupado com as atitudes “patriarcais e estereótipos de gênero” que discriminam as meninas e as mulheres.
Para o advogado Salomão Ximenes, da Ação Educativa, as recomendações representam um grande avanço. “Levar essa discussão para um órgão da ONU é muito importante e chama atenção para os riscos”, diz ele. “O Brasil tem compromisso internacional de cumprir a convenção de Direitos da criança. O documento tem um peso importante na política internacional de Direitos Humanos. O importante é que consigamos, a partir disso, transformar as recomendações em política nacional de monitoramento”.
Além das preocupações e recomendações referentes à politica educacional, o comitê ainda denuncia, entre outros pontos, as forças policiais no Brasil pelo “elevado número de execuções extra-judiciais de crianças”. Segundo a avaliação, essa tendência de execuções e prisões ganhou impulso diante dos megaeventos esportivos e a tentativa de “limpar” o Rio para a Olimpíada em 2016.
Questionado pela reportagem, o Ministério da Educação ressaltou que o PNE prevê a ampliação dos recursos para a educação até o patamar de 10% do PIB ao final de 2024. “Além disso, é estipulado que este patamar seja de 7% do PIB do País no 5º ano de vigência do plano. Ao longo dos últimos anos pode-se observar que houve uma curva crescente no investimento tanto da educação básica quanto do ensino superior”, diz o MEC em nota. “Em 2000, o investimento na educação básica era 3,7% e passou para 5,1%, em 2013. No mesmo período, o percentual do ensino superior variou de 0,9% para 1,1%. Atualmente, estamos em um patamar de 6,2%, considerando os dados de 2013 para as duas etapas”.
O MEC ressaltou ainda que, para assegurar o direito à educação de qualidade, tem construído pactuações com os entes federativos, que, “por sua vez, têm suas responsabilidades e desafios mais imediatos em cada território”. “Destacamos ainda que os materiais produzidos pelo MEC não se pautam por quaisquer preferências, proselitismos ou discriminações de quaisquer natureza. Antes, prezam pela garantia do direito humano à educação como um valor, tendo as diretrizes do PNE como norteadoras da ação técnica.”
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