Há toda uma gama de instituições disposta a proteger o mandato de Dilma, seja via TCU, STJ, STF, TSE, Senado ou até mesmo Ministério Público.
O clamor popular pelo impeachment ganha contornos reais em 23 de outubro de 2014. É nesta data que a Veja antecipa a capa que publicaria no fim de semana e revela que, segundo depoimento de Alberto Youssef, tanto Dilma quanto Lula estavam cientes dos absurdos que vinham ocorrendo na Petrobras. O Google Trends identifica bem esse levante que encontra seu auge 4 dias depois, ou a segunda-feira seguinte à reeleição da presidente.
A resposta do governo veio em menos de 24 horas. No último programa eleitoral da campanha, Dilma promete acionar, contra a publicação, a “justiça livre” do Brasil pela notícia hoje já confirmada até mesmo na CPI da Petrobras. Mas essas foram apenas mais duas promessas não cumpridas pela presidente reeleita. Porque não processou a Veja. E, como poderá ser observado nos próximos parágrafos, a justiça brasileira está hoje longe de ser considerada livre.
Para efeito de uma melhor compreensão, a sequência dos fatos será organizada em tópicos. Mas tais fatos serão narrados sempre respondendo à cronologia dos acontecimentos, que difere por vezes da cronologia das notícias referenciadas. Nestes tópicos, será possível observar como há toda uma máquina pública disposta a proteger o mandato de Dilma via TCU, STJ, STF, TSE, Senado ou até mesmo Ministério Público. Tudo sob a complacência da imprensa, que corriqueiramente se deixa usar como assessoria das personalidades políticas mais poderosas do país.
Os encontros secretos de Janot e Cardozo
Quantas reuniões não agendadas entre o procurador-geral da república e o ministro da justiça ocorreram? Só Janot e Cardozo poderão responder. Mas a imprensa deixa escapar duas delas. A primeira ocorre em 22 de novembro de 2014 em Buenos Aires. Em 14 de fevereiro já de 2015, o Painel da Folha informa que Cardozo teve ao menos 3 encontros com advogados de réus da Lava Jato. Mais do que isso, informa que Cardozo “é o principal interlocutor de Rodrigo Janot, o procurador-geral, que dirige o órgão responsável por acusações na Justiça“. Nesse mesmo dia, Joaquim Barbosa pede a demissão do ministro da justiça – em vão.
O segundo e mais polêmico encontro entre Cardozo e o procurado-geral da república ocorre na noite de 25 de fevereiro. O país aguardava de Janot apresentação da denúncia ao STF sobre os políticos envolvidos na Lava Jato. Em 4 de março, o Jornal Nacional noticia com exclusividade que Eduardo Cunha e Renan Calheiros seriam investigados. No dia seguinte, a imprensa já sabe também que Dilma, assim como Aécio, se safaram. No terceiro dia, nada menos que 21 parlamentares surgem na “lista de Janot”. Mas a presidente escapa ilesa do PGR mesmo com 11 citações no material levantado pelo time de Sérgio Moro em Curitiba.
Os “bois de piranha” de Dilma
Em 7 de março, Fernando Rodrigues narra a versão dos fatos segundo Renan Calheiros, até aquele dia um fiel aliado do PT. Nela, Dilma se frustra quando Janot confessa não ter encontrado nada substancial contra Aécio e resolve vazar para o Jornal Nacional o que se tem contra o presidente do senado e Eduardo Cunha. Por esta visão, a estratégia do Planalto parece clara: encontrar um “boi de piranha” que sofra o necessário – e correto – apuro judicial enquanto, por fora, escapam ilesos os aliados mais próximos.
Em 4 de maio, o novo alvo de Janot parece bem nítido na reportagem do Jornal Nacional:Eduardo Cunha. Em 16 de julho, sob pressão do PGR, Julio Camargo muda o depoimento que havia dado e deixa bem claro o envolvimento do presidente da Câmara com a roubalheira na Petrobras. Na mesma data, Alberto Youssef diz ter sofrido ameaças de um “pau mandado” de Cunha, que no dia seguinte passa a se declarar oposição a Dilma. Em 30 de julho, a já ex-advogada de Julio Camargo diz ao Jornal Nacional que abandonou a carreira no Brasil graças aameaças vindas da CPI da Petrobras.
O acordão com Renan Calheiros
Agosto traz o colunismo político brasileiro afirmando que, com o clima fervendo junto à presidência da câmara, o governo tentaria reverter a crise pelo Senado. Em 6 de agosto, Dilma e Renan Calheiros conversam reservadamente. Dois dias depois, a presidente se reúne com Janot. Depois destes encontros, toda uma sequência de notícias surge favorecendo o governo.
Em 10 de agosto, o presidente do senado rechaça a ideia de impeachment. Era 13 de agosto quando Janot arquiva pedido de Gilmar Mendes para investigar a gráfica VTPB, suspeita de emitir notas fiscais frias para a campanha de Dilma em 2014. No dia seguinte, apadrinhandos de Renan no TCU manobram para aliviar a culpa da presidente pelas pedaladas fiscais. Vinte e quatro horas depois, Rousseff ignora a tradição, indica o segundo nome da lista tríplice recebida – essa história será melhor explicada na segunda metade deste artigo – e favorece um apadrinhado de Calheiros no STJ. Mas o principal ocorreria três dias depois, em 20 de agosto…
A “prova dos 9” do acordão
Por tudo o que ocorrera na semana anterior, o noticiário político passou a especular que Janot havia feito um acordo com Dilma e Renan de forma a não apresentar denúncia contra o presidente do Senado – desde que este voltasse a trabalhar em sintonia com os interesses do Planalto, o que já parecia bem nítido nas principais manchetes do país. Caso Cunha fosse denunciado pelo PGR, mas nada fosse apresentado contra Calheiros, as suspeitas sobre o “acordão” chegariam a níveis de “quase certeza”.
No domingo, 16 de agosto, o Brasil vive a segunda maior manifestação política de sua história. No dia seguinte, FHC tenta unificar o PSDB em torno da queda de Dilma. Naquela mesma tarde, Renan Calheiros teve um rápido encontro com Janot. Algo bem diferente do que ocorreria logo mais à noite, quando o PGR conversaria por 90 minutos com Cardozo.
Na quinta, 20 de agosto, toda a militância petista vai à rua aos gritos de “fora, Cunha“. No ponto alto das manifestações, surge na imprensa a notícia de que Janot havia partido com tudo para cima de Collor e Cunha. Para o presidente da Câmara, por exemplo, foram pedidos multa de 80 milhões de dólares e 184 anos de cadeia.
Mas nada veio a ser apresentado pela Produradoria-Geral da República contra Renan Calheiros, presidente do Senado.
Recondução
Dos 27 nomes com voto para aprovar Janot por mais 2 anos no cargo de procurador-geral da república, apenas um disse-lhe não ao término da sabatina. Provalmente Fernando Collor de Mello, o único a exigir algum esforço do sabatinado ao apresentar um punhado de denúncias e documentos que supostamente provavam que o candidato mentira naquele 26 de agosto. Se havia algum sentido nas acusações, a imprensa não se empenhou em apurar, mas apenas noticiar que o PGR não só negara tudo, como concluira a tréplica com frases de efeito.
Naquela mesma noite, Janot seria reconduzido ao cargo pelo Senado com 59 votos a favor, 12 contra e 1 abstenção. Coincidência ou não, há 13 senadores – em tese – sendo investigados pelo PGR.
Mensalão x Petrolão
É um PGR quem, em 2006, denuncia 40 nomes por envolvimento com o Mensalão, mas nada apresenta contra o então presidente, Lula.
É um PGR quem, em 2011, não só entrega a Joaquim Barbosa um material sem provas contra José Dirceu, mas dá tempo à defesa ao tardiamente fazer 12 pedidos de diligências, atrasando assim o trabalho do relator do caso.
É um ex-PGR, hoje na condição de advogado de Eduardo Cunha, quem está no time que acusa Janot, o atual PGR, de agir a serviço da Presidência da República.
Em 2014, durante a campanha pela reeleição, Dilma chega a dizer em horário nobre da Globo que FHC tinha um “engavetador-geral da república“. Em outras palavras, era uma presidente da república acusando o MPF de ter passado ao menos 8 anos agindo em conluio com o Planalto.
O Ministério Público Federal nunca rebateu as acusações de Dilma.
* * *
A segunda metade deste artigo deve ser publicada na próxima semana.Marlos Ápyus escreve no Implicante (quase sempre) às terças. Siga-o no Twitter.
Texto originalmente publicado no Ápyus.Com
Texto originalmente publicado no Ápyus.Com
Referências utilizadas
- Câmara Notícias
Ministério Público denuncia 40 envolvidos com mensalão
11 de abril de 2006 - Estadão
As operações aritméticas do ministro Joaquim Barbosa
28 de fevereiro de 2014 - Jornal Nacional
Dilma Rousseff é entrevistada no Jornal Nacional
18 de agosto de 2014 - Veja
Dilma e Lula sabiam de tudo, diz Alberto Youssef à PF
23 de outubro de 2014 - O Globo
Dilma diz que ‘Veja e seus cúmplices’ terão de responder na Justiça por reportagem
24 de outubro de 2014 - Folha de S.Paulo
Cardozo e Janot tiveram reunião secreta no exterior
22 de novembro 2014 - Folha de S.Paulo
Ministro da Justiça teve 3 encontros com advogados de réus da Lava Jato
14 de fevereiro de 2015 - Terra
Joaquim Barbosa pede demissão do Ministro da Justiça
14 de fevereiro de 2015 - Folha de S.Paulo
Janot se reúne com Cardozo às vésperas de denunciar políticos ao STF
25 de fevereiro de 2015 - G1
JN confirma Renan e Cunha em lista de citados da Operação Lava Jato
04 de março de 2015 - Folha de S.Paulo
Janot descarta investigação de menções a Dilma e Aécio
05 de março de 2015 - Época
Operação Lava Jato: Os nomes da lista de Janot enviada ao STF
06 de março de 2015 - Folha de S.Paulo
Dilma foi citada 11 vezes nos depoimentos de delatores da Lava Jato
06 de março de 2015 - Fernando Rodrigues
Dilma queria muitos na lista de Janot, desde que tivesse Aécio, diz Renan
07 de março de 2015 - G1
Janot diz que há ‘elementos muito fortes’ para investigar Eduardo Cunha
04 de maio de 2015 - Folha de S.PauloA guinada do delator
16 de julho de 2015 - G1
Youssef diz sofrer intimidação de ‘pau mandado de Cunha’ em CPI
16 de julho 2015 - Época
Delator foi obrigado por Janot a mentir, acusa Eduardo Cunha
16 de julho de 2015 - G1Advogada diz que encerrou carreira devido a ameaças de membros da CPI
30 de julho de 2015 - Josias de SouzaRenan amaciou com governo depois de conversar reservadamente com Dilma
06 de agosto de 2015 - Reuters BrasilDilma se reúne com Janot para avisar que indicará procurador para mais 2 anos no cargo
08 de agosto de 2015 - O GloboPriorizar votação das contas de Dilma é colocar fogo no Brasil, diz Renan Calheiros
10 de agosto de 2015 - G1
Janot não vê irregularidade em serviço de gráfica para campanha de Dilma
13 de agosto de 2015 - O GloboManobra no TCU pode rever decisão sobre ‘pedaladas’ e aliviar julgamento das contas de Dilma
14 de agosto 2015 - Época16 de agosto: as manifestações pelo Brasil
16 de agosto de 2015 - Folha de S.PauloCom apoio de Renan, Dilma indica Marcelo Navarro para o STJ
17 de agosto de 2015 - EstadãoFHC sugere renúncia como ‘gesto de grandeza’ para Dilma
17 de agosto de 2015 - EstadãoApós se encontrar com Janot, Renan diz que sabatina de PGR será na semana que vem
17 de agosto de 2015 - Folha de S.Paulo
Peemedebistas pressionam Temer a deixar articulação política do governo
17 de agosto de 2015 - Estadão
Movimentos sociais miram em peemedebista
20 de agosto de 2015 - Estadão
Janot denuncia Eduardo Cunha por corrupção e lavagem de dinheiro
20 de agosto de 2015 - Valor
Procuradoria pede 184 anos de prisão para Eduardo Cunha
20 de agosto de 2015 - G1Collor faz acusações em sabatina contra a gestão de Janot na PGR
26 de agosto de 2015 - Estadão
Pau que dá em Chico, dá em Francisco, diz Janot a Collor
26 de agosto de 2015 - G1Senado aprova recondução de Janot para mais dois anos à frente da PGR
26 de agosto de 2015 - Estadão
Youssef reafirma que Dilma e Lula sabiam de esquema na Petrobras
25 de agosto de 2015
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