Ação no TSE acusa chapa Dilma-Temer de irregularidades no financiamento da campanha eleitoral de 2014. Saiba o que acontece com ambos e se haverá eleição direta ou indireta caso eles sejam condenados.
O Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) deve julgar no primeiro semestre de 2017 a ação que
pede a cassação da chapa formada pela ex-presidente Dilma Rousseff e o seu
então vice e atual presidente, Michel Temer, sob a acusação de irregularidades
no recebimento de doações nas eleições de 2014. A chapa vencedora é acusada de
financiar sua campanha com dinheiro público desviado pelo esquema de corrupção
investigado pela Operação Lava Jato.
O pedido de
cassação foi protocolado pelo PSDB, o rival na eleição e principal partido de
oposição, logo após a reeleição de Dilma, em outubro de 2014. Desde então, a
ação teve dificuldades de seguir adiante, principalmente devido à falta de
provas. Em outubro de 2015, o processo foi reaberto e, um ano depois, ganhou
velocidade com o novo relator, o ministro Herman Benjamin.
Nos últimos
meses, o TSE vem colhendo documentos para decidir se há provas suficientes para
seguir em frente com o processo. Esta será a primeira vez que o TSE decide se
vai ou não cassar o mandato de um presidente.
Como andam
as investigações?
Em dezembro
deste ano, peritos do TSE encontraram novos indícios de fraude e desvio de
recursos ao analisar o sigilo bancário das gráficas VTPB Serviços Gráficos e
Mídia Exterior Ltda., Focal Confecção e Comunicação Visual Ltda. e Rede Seg
Gráfica Eireli, contratadas como prestadoras de serviços para a campanha de
Dilma e Temer.
Nesta
terça-feira (27/12), a Polícia Federal realizou operações de busca e apreensão
em 20 endereços espalhados pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Santa
Catarina. A operação investiga se as gráficas realmente tinham capacidade para
prestar os serviços declarados.
Cenário de
fraudes
A chapa
Dilma-Temer pode ser cassada mesmo se não forem comprovadas irregularidades na
prestação de serviços das gráficas. Segundo o jurista Fernando Neisser, da
Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político, ao longo desta fase de
análise de documentos, que antecede o julgamento, a acusação vem tentando
reunir indícios de que houve um "cenário de fraudes".
Isso
significa que a estratégia da acusação não depende apenas da comprovação de
fatos isolados de corrupção. "Provas de abusos políticos e econômicos
menores, que provem que o cenário da campanha foi, como um todo, fraudulento,
são suficientes para uma condenação", afirma o jurista.
Além das
irregularidades na prestação de serviço das gráficas, há outras acusações
contra a chapa Dilma-Temer, como supostos pagamentos de propinas disfarçados de
doações de campanha.
Separação de
julgamentos
Um detalhe
que reforça o tom de ineditismo deste processo é que a defesa de Temer quer que
o balanço das contas criadas para arrecadações de campanha seja julgado
separadamente. Como são contas distintas, Temer quer que elas sejam
desvinculadas, pois, no caso da condenação de Dilma, ele escaparia da cassação.
Em casos
como este, o TSE costuma julgar a chapa por entender que, embora as contas
sejam separadas, tanto o candidato principal como o vice são beneficiados pela
eleição.
"Se
fica provado que uma chapa cometeu abusos na campanha e, por meio desses
abusos, chegou ao poder, faz sentido que os dois percam os mandatos. Afinal, o
vice chegou ao cargo graças à eleição da chapa", defende Neisser.
Na visão do
jurista, uma possível adesão do TSE ao pedido de Temer resultaria em problemas
para as candidaturas futuras. Seguindo essa lógica, os vices passariam a ser
considerados potenciais inimigos dos candidatos principais. Eles poderiam
coletar provas de fraudes, por exemplo, durante a campanha, e entrar com pedido
de cassação logo depois da posse. Em caso de vitória, assumiriam o cargo
principal. Essa possibilidade de separação de julgamento também poderia
incentivar que candidatos principais cometam fraudes e joguem a culpa nos
vices.
A defesa de
Dilma quer que a chapa seja julgada em conjunto, seguindo jurisprudência da
corte. Embora uma posição contrária à separação seja quase unânime entre os
juristas, existe a possibilidade de o TSE aprovar o pedido da defesa de Temer.
O que pode
acontecer com Dilma e Temer
O processo
do impeachment cassou o mandato de Dilma, mas não seus direitos políticos. Se a
Justiça decidir pela cassação da chapa reeleita em 2014, além de ter perdido o
mandato, a petista ficará também inelegível. Já Temer perderá o mandato e
também ficará inelegível.
Caso o TSE
decida cassar a chapa Dilma-Temer em 2017, e essa decisão for confirmada pelo
Judiciário, o artigo 81 da Constituição prevê que o Congresso elegerá um novo
presidente para cumprir o restante do atual mandato.
Temer já
afirmou que, se for condenado, vai recorrer com "recursos e mais
recursos" da decisão, mas que "respeitará a decisão final do
Judiciário".
Pode haver
eleição direta?
Sim, essa
possibilidade existe, segundo alguns juristas. Em parte por causa do grande
apoio entre a população, a possibilidade de eleição direta passou a ser cada
vez mais debatida nos meios políticos e na imprensa nas últimas semanas. A tese
de eleição direta se apoia numa minirreforma eleitoral aprovada em 2015 pelo
Congresso Nacional e que determina que haja eleição indireta somente se houver
vacância de um cargo público majoritário, por decisão da Justiça Eleitoral, nos
últimos seis meses do mandato. Do contrário, eleições diretas devem ser convocadas
num prazo de 20 a 40 dias.
Juristas
debatem, porém, se essa alteração é constitucional, pois ela parece estar em
claro conflito com o artigo 81 da Constituição, que determina a realização de
eleição indireta se houver vacância nos últimos dois anos do mandato
presidencial. Em maio, o Supremo Tribunal Federal recebeu uma ação de
inconstitucionalidade, movida pela procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, que argumenta justamente que a minirreforma não pode se sobrepor à
Constituição. O julgamento da questão pela corte suprema só deverá acontecer
depois de fevereiro, quando acaba o recesso dos juízes.
Um outro
caminho para a eleição direta seria a aprovação de uma proposta de emenda
constitucional (PEC) que alterasse o artigo 81 da Constituição.
Impactos
econômicos e políticos
Para Kai
Michael Kenkel, pesquisador associado do Instituto Alemão de Estudos Globais e
Regionais (Giga), de Hamburgo, eleições indiretas não trariam estabilidade
política para o Brasil. "Pelo contrário, prolongariam a sensação de
improviso e caos político."
Segundo
Kenkel, existe uma insatisfação popular geral em relação aos partidos
brasileiros. "Essa crise de representatividade não seria solucionada com
um presidente eleito pelos parlamentares."
Na análise
do cientista político Jens Borchert, da Universidade de Frankfurt, tanto o
impeachment como o pedido de cassação que tramita no TSE mostram que a oposição
brasileira não sabe perder. "O PSDB errou lá atrás, ao não aceitar a
derrota nas eleições de 2014", diz Borchert. "Perder faz parte do
jogo da democracia. É o que garante a tão necessária alternância de partidos no
poder."
Na leitura
do cientista político alemão, a imagem de toda a classe política está
prejudicada. "Os políticos, mais uma vez, desrespeitaram a democracia brasileira.
Todos saem perdendo."
Os prejuízos
também poderiam alcançar as finanças do país. "Os mercados não gostam de
sistemas políticos instáveis", diz Oliver Stuenkel, professor de relações
internacionais da FGV-SP. "Uma nova mudança na presidência poderia
provocar desconfiança dos investidores estrangeiros e desmotivar o investimento
externo, mas apenas no curto prazo", afirma.
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