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João Filho



EU NÃO QUERIA ter que voltar a falar sobre José Serra e as relações ocultas do tucanato com a Odebrecht. Não quero ser repetitivo nem parecer obcecado pelo chanceler como Paulo Henrique Amorim, mas a apatia dos principais veículos de imprensa me obrigam a dedicar este espaço novamente para o assunto.
Em 14 agosto, afirmei que notícias ruins sobre o Serra são como vídeos do snapchat: duram 24 horas e somem. Permitam-me o momento cabotino: eu estava certíssimo. Naquela época, a Folha de S. Paulo noticiou que executivos da Odebrecht diriam em delação que a campanha de José Serra em 2010 recebeu ilegalmente R$23 milhões. Surpreendentemente, a notícia teve grande destaque no jornal, com direito à manchete de capa. Mas, assim como a funcionária fantasma que Serra contratou para seu gabinete, evaporou no dia seguinte. Sexta passada, porém, após 3 meses na escuridão, ela ressurgiu das cinzas e voltou para a capa da Folha. É a mesma notícia de agosto, mas com um adendo: executivos da Odebrecht afirmaram ter pago parte do caixa 2 para Serra numa conta na Suíça. Um deles, Pedro Novis, é “amigo de longa data” do ministro e chegou a ser seu vizinho. Nas planilhas da empreiteira, Serra era identificado como “careca” e “vizinho”.
No dia seguinte, a notícia não teve desdobramentos no jornal, apenas uma nota minúscula e envergonhada no fundão da página A5, cujo título era “Governo Temer silencia sobre acusação a Serra”. Nos dias seguintes, porém, quem silenciou foi aFolha, e o padrão snapchat se repetiu. Durante o resto da semana também. O script foi cumprido.
Nas redes sociais, algumas pessoas lembraram o tratamento diferenciado que o chanceler e seu partido costumam ter nas manchetes:
Em sua defesa, a Folha pode dizer que, diferentemente da Andrade Gutierrez, a delação da Odebrecht não revelou a existência de nenhuma contrapartida, o que, portanto, não configuraria propina. Isso seria verdade se a própria Folha não tivesse apurado em agosto que houve “propina paga a intermediários de Serra no período em que ele foi governador de São Paulo (de 2007 a 2010) vinculados à construção do trecho sul do Rodoanel Mário Covas.” São as sutilezas da corrupção.Em um tempo em que políticos se mobilizam para conceder anistia a quem cometeu caixa 2, é importante que se faça essa diferenciação dos termos, não é mesmo?
O UOL, portal associado à Folha, manteve durante toda a manhã da sexta-feira a notícia como principal destaque da home. À tarde, ela se apequenou e foi para o rodapé. No dia seguinte sumiu e até hoje não foi mais vista. Novamente, seguiu-se o padrão.
BandNews, a Record e o SBT foram as únicas emissoras de TV a darem um pouco mais de atenção ao assunto. Com destaque para a Record, que dedicou quase 2 minutos – uma eternidade perto das outras – para falar do escândalo do ministro.
O Grupo Globo não gastou tinta nem com uma notinha de rodapé. O único vulto que se viu foi na coluna de Matheus Leitão, que dedicou dois parágrafos sobre o assunto num post em que faz um resumo das principais notícias dos jornais. O Jornal Nacional, que sempre repercute a manchete de capa do maior jornal do país, dessa vez não dedicou nem um milissegundo na edição de sexta-feira (28/10), nem no sábado, nem em nenhuma edição no decorrer da semana. Teve até matéria mostrando um recado que bancos suíços estão mandando para correntistas brasileiros, mas nenhuma menção à conta tucana na Suíça.
Os outros veículos do grupo também silenciaram. Parece que para o Grupo Globo, essa grave acusação contra o atual ministro das relações Exteriores não é de interesse público. Até a lista de compras de supermercado da Dilma pareceu mais relevante para o jornalismo global. O Globo informou ao Brasil detalhes de uma listinha de compras para o lanche da tarde. “Três salsichas, 100g de mussarela e uma tapioca” de uma ex-presidenta têm mais relevância jornalística para O Globo do que uma empreiteira financiando ilegalmente um ministro que representa o país no exterior. É incrível, mas até o Hipster da Federal e o Dr. Cuca Beludo tiveram mais espaço nas organizações Globo que a caixinha do Serra na Suíça.
Nosso chanceler publicou nota oficial negando tudo e, assim como no caso da funcionária que assombrava seu gabinete, nunca mais foi incomodado com o assunto. Mas o que mais me impressiona é que nenhum dos nossos combatentes jornalistas, na era da cruzada contra a corrupção, teve a curiosidade de saber o que pensa o presidente do PSDB sobre o caso.
A campanha presidencial do partido de 2010 está no olho do furacão do escândalo, mas ninguém considerou pertinente ir atrás da palavra do seu presidente. Apesar de andar sumido, Aécio é senador, todos sabem onde encontrá-lo, não há mistério. Só mesmo o Sensacionalista poderia dar essa manchete:  “Equipe de jornalistas que esperava pronunciamento de Aécio sobre Serra e Odebrecht desiste e vai pra casa”. Toda aquela voracidade para denunciar a corrupção na política parece ter murchado, tal qual o Pato da Fiesp – cujo presidente, diga-se de passagem, também está sendo acusado por Duda Mendonça de ter usado a Odebrecht via caixa 2 para pagar seus serviços.
O próprio Aécio nunca desfrutou de tamanha simpatia da mídia. Suas contas secretas em Liechtenstein, por exemplo, foram objeto de longa reportagem da revista Época, da editora Globo. O fato logo em seguida caiu no esquecimento, é verdade, mas pelo menos houve um certo aprofundamento no assunto. Henrique Alves, ex-ministro do Turismo de Temer, caiu após ser acusado de receber R$1,55 milhão de propina da TranspetroSerra é acusado de receber 12 vezes mais e continua inabalável no cargo. Não temos, como de costume, colunistas pressionando pela sua saída nem editoriais indignados. É ou não é um fenômeno?
A cobertura da política brasileira tem se pautado pela escandalização da corrupção. Cabe perguntar se há mesmo uma genuína preocupação com a ética nas relações políticas ou se  isso varia conforme o personagem envolvido e os interesses dos empresários de mídia. De qualquer forma, prometo ficar um tempo sem falar sobre o nosso fenômeno. Semana que vem, quem sabe, talvez eu traga uma entrevista com Dr. Cuca Beludo para falar sobre a dieta sem glúten da Dilma –  revelada no vazamento da lista de supermercado publicada pela Globo.
Foto de cima: Serra, “meio grogue”, após ser atingido na cabeça por um objeto na campanha presidencial em 2010.
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João Filhojoao.filho@​theintercept.com@jornalismowando




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