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Presidente da Associação dos Juízes para a Democracia comentou sobre as mais de mil ocupações de escolas contra a Reforma do Ensino Médio e contra a PEC241


Joka Madruga
Em entrevista à Carta Maior, o presidente do conselho executivo da Associação dos Juízes para a Democracia (AJD), André Augusto Bezerra, fez duras críticas ao que classificou como “crescimento do Estado policial”. O juiz comentou sobre as mais de mil ocupações de escolas contra a Reforma do Ensino Médio e contra a PEC do teto de gastos, que, em sua opinião, não poderiam sofrer reintegrações de posse por esbulho. “Quem pratica o esbulho é o Estado, que está impedindo que o estudante exerça seu direito fundamental à educação”, diz. 
 
André acredita que temos sinais evidentes de um maio fechamento do regime político do país. E vai além: estaríamos caminhando para um regime ditatorial.
 
A entrevista foi realizada antes da ação policial na Escola Nacional Florestan Fernandes do MST. 
 
Leia aqui a nota da AJD sobre as ocupações de escolas e veja abaixo a entrevista completa:



 
Como viu a decisão do juiz de Brasília que autorizou técnicas de tortura contra ocupações de escolas?
A AJD firmou uma posição jurídica a respeito das ocupações como um todo. Nós evitamos falar de outras decisões de juízes quando não conhecemos os autos do processo. A decisão em si não costumamos comentar, ainda mais se a gente não vê o processo.
 
Do ponto de vista jurídico nós entendemos – e discordamos de outras posições jurídicas que se têm a respeito desta questão – é no sentido que o movimento de ocupações dos estudantes como mecanismo de protesto não é esbulho. O que é esbulho? Esbulho do ponto de vista jurídico é você tomar à força a posse ou a coisa de outra pessoa. Ou seja, um prédio público, expulsa outra pessoa, e toma posse. Por que não é esbulho? Porque o estudante não quer ficar naquele prédio público ocupando, possuindo, efetivamente, em definitivo, permanentemente. Ele quer fazer o protesto, chamar a atenção da sociedade, exprimir um ponto de vista, pautar uma determinada política pública ou pautar um determinado tema que nem sempre é colocado pela imprensa empresarial e principalmente pelo Estado nas discussões públicas. Ou seja, o que o estudante quer quando faz a ocupação de uma escola segundo o entendimento da AJD é, em suma, exercer seu direito constitucional a liberdade de expressão e de manifestação.
 
O grande problema é essa natureza de esbulho. O esbulho é outro, na verdade. Quem pratica o esbulho é o Estado, que está impedindo que o estudante exerça seu direito fundamental à educação. O estudante quer pegar para ele porque ele é o titular deste direito. E o direito à educação não implica em um processo passivo do Estado perante ao aluno. O que o estudante quer é também ajudar na construção da efetivação deste direito fundamental. Por tudo isso é que nós entendemos como não passível de reintegração de posse por esbulho esses atos de ocupação. A resposta do Estado ao nosso ver deveria ser pelo diálogo. Chamar a conversa. Em qualquer democracia mínima é a democracia do diálogo permanente da administração pública e dos poderes como um todo com a sociedade. A partir do momento em que o Estado se nega a conversar e começa a impor reformas importantes - que vão durar 20 anos a depender de uma das PECs – sem conversar com a sociedade, limitando-se a conversar com lideranças políticas ou partidárias, o Estado está violando este direito básico constitucional que é do diálogo.
 
Na ocupações, por exemplo no Paraná, vimos movimentos de direita como o MBL que iam para frente das ocupações, em movimentos de desocupações, com argumento de que os estudantes ocupados estariam impedindo os demais de estudarem. Juridicamente como vê essa argumentação?
 
O MBL fazer protesto também é um direito deles. Direito ao protesto não tem ideologia. Cabe ao Estado ser neutro ao direito ao protesto. O problema é que o Estado não está sendo neutro em relação ao direito ao protesto. Estou falando do aparelho estatal como um todo. Ele recebe muito bem um protesto de determinada linha política e recebe com repressão um protesto de uma outra linha política. Ele está fazendo uma opção. O que nos preocupa é quando o Estado faz esta opção em favor de um determinado movimento. O MBL pode fazer o protesto dele. O que se estranha é quando o Estado começa a apoiar um dado movimento em detrimento do outro. O Estado não pode apoiar e nem desapoiar ninguém. 
 
 
E essa argumentação jurídica de que os estudantes que estão ocupando estariam impedindo os demais de estudarem?
 
O estudante que está ocupando está na verdade tentando impedir que se viole o direito à educação dele. Ele quer colocar na pauta o direito à educação. Quer colocar em discussão pública o futuro do ensino do país que pode ser gravemente atingida caso, por exemplo, se congele os gastos públicos por 20 anos. 
 
Por que acha que existe uma ofensiva por meio do Estado especificamente sobre as ocupações de escolas?
 
O que eu vejo é o crescimento do Estado policial como um todo no país. Não é de hoje. É um processo contínuo que têm crescido cada vez mais e que agora mostra-se sem limites. Sem qualquer espécie de limites. Desde o momento em que você começa a enxergar que problemas históricos do país, como a corrupção, sejam tratados exclusivamente como casos de polícia – e a punição penal sempre será seletiva – você começa a permitir o crescimento do Estado policial. E agora esse crescimento do Estado policial está ganhando uma força absolutamente fora do controle. E a gente não sabe onde isso vai parar. Estamos vendo notícia de polícia fazendo desocupação sem mandado judicial. Isso é coisa de ditadura. Ao que parece, determinados agente públicos estão rasgando a Constituição e fazendo “justiça” com as próprias mãos. 
 
 
Diante da crise política que o país vive o Judiciário tem tomado iniciativas, não somente relativas às ocupações de escolas mas outras como a decisão sobre o direito de greve do funcionalismo público. Por que acha que o judiciário toma essa iniciativas e qual a relação entre a crise política do país e essa iniciativas?
 
A crise política do país foi causada por todos os poderes da República. Por setores do Executivo, por setores do Legislativo e por setores do Judiciário. A crise é causada pelo Estado como um todo, que têm colaborado, por exemplo, no fortalecimento deste Estado policial. Ora, se o Brasil hoje tem a quarta maior população carcerária do mundo, quem prende é o Judiciário. Se você tem mandados de reintegração de posse contra índios, que tem por exemplo a seu favor laudos da Funai dizendo que um determinado pedaço de terra deve ser demarcado, isso decorre de uma ação do Judiciário. O Judiciário tem tido uma participação muito grande neste conservadorismo e neste processo de restrição de direitos. Repito: tudo isso faz parte de um processo que não é de hoje mas que tem se ampliado e está saindo totalmente do controle.
 
 
Acha que existem sinais de um maior fechamento do regime? Quais as consequências que isso pode ter para o conjunto da população e para os movimentos sociais?
 
Eu acho. Quando falamos de fechamento do regime falamos basicamente do velho conflito democracia versus ditadura. Democracia como regime aberto, regime do diálogo – muito além de eleição, e ditadura o regime de repressão, o regime onde o Estado se nega a conversar com a sociedade. Ora, o que vemos hoje é cada vez mais o Estado que faz uso de seu aparelho repressor, visando implementar determinadas reformas que interessam a certos grupos econômicos, negando-se por completo ao diálogo com a sociedade. Diálogo não é apenas com a liderança partidária e sim diálogo permanente com a sociedade civil. Democracia brasileira, pelo menos em termos constitucionais, é de alta intensidade, que vai muito além das eleições. É uma democracia, por exemplo, que respeita os direitos humanos – que requer conversa e abertura do Estado. Mas o Estado está cada vez mais fechado e cada vez mais repressor. Então caminhamos cada vez mais para um regime ditatorial. 
 
Podemos afirmar, neste termos, que caminhamos cada vez mais para um regime ditatorial?
 
Eu não tenho dúvida. Está caminhando em sentido contrário à democracia. E o sentido contrário à democracia é ditadura. Não sei como será esta ditadura no século XXI... as coisas têm mudado, os golpes de Estado têm sido mais sutis, as ditaduras ou não têm sido mais sutis... De repente a gente pode continuar tendo eleições, pode continuar a ter liberdades formais, mas cuja aplicação não exista. 
 
Quais as consequências do ponto de vista ideológico e subjetivo deste crescimento do Estado policial para o conjunto da sociedade? Como isso impacta a forma como as pessoas se enxergam na sociedade?
 
O que não tem sido muito sentido pela sociedade é esse crescimento do Estado policial e esse fechamento do Estado. A crise econômica que chegou no Brasil com tudo talvez tenha colaborado para essa não percepção. Mas em um momento ou outro a sociedade vai perceber isso. Os próprios agentes do Estado, muitos deles bem intencionados, vão perceber isso. Juízes, membros do Legislativo, pessoas da administração pública vão perceber isso: que a coisa fugiu completamente do controle. E a sociedade vai sentir isso porque em um determinado momento ela vai se ver perdendo direitos sem poder reivindica-los, sob pena de ser presa ou tomar uma agressão por parte dos agentes do Estado. 
 
O que a aprovação da Lei Antiterrorismo influenciou no que está acontecendo agora?
 
A Lei Antiterrorismo está no processo que envolveu todos os poderes. Ela faz parte disso, tendo iniciativa do Executivo que sofreu um golpe de Estado. Veja a ironia da coisa: o próprio Executivo que foi derrubado fez aprovar esta lei, junto com parte do Legislativo. O que nós esperamos é que o Judiciário julgue uma série daqueles dispositivos como inconstitucionais. Vamos aguardar e cobrar do STF. Esperamos que o Judiciário também não legitime mais essa ação repressora do Estado brasileiro. 
 
Créditos da foto: Joka Madruga



















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