Após 52 anos de guerra civil, Colômbia sinaliza fim do conflito. Em entrevista à DW, ex-refém da guerrilha fala sobre os anos no cativeiro e o significado para o país do aguardado acordo de paz entre governo e Farc.
Íngrid Betancourt foi sequestrada pela guerrilha
colombiana e mantida em cativeiro por seis anos na selva. Desde que foi
resgatada, em julho de 2008, ela luta pelo fim da guerra civil em seu país.
Poucos dias antes da assinatura do tratado de paz entre o governo colombiano e
as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), nesta segunda-feira
(26/09), a repórter da DW Astrid Prange se encontrou com Betancourt em Paris,
seu segundo lar.
A aparência dela era calma, amável e determinada.
Mas, mesmo nesse momento repleto de esperança, o drama do sequestro e a
política continuam determinando sua vida. Na entrevista à DW, ela falou sobre
os anos no cativeiro, a capacidade de perdoar e o acordo de paz na Colômbia, ao
qual muitos se opõem, disse.
"Na Colômbia, uma parte da sociedade está
profundamente ligada à luta como meio de vida. Há o negócio belicoso que
enriquece muita gente, há a política da guerra que dá poder a muitos líderes, e
há a corrupção que depende dos combates", afirmou Betancourt.
Deutsche Welle: Qual foi a primeira coisa que lhe
veio à cabeça ao escutar sobre as negociações de paz entre o governo colombiano
e os rebeldes das Farc, em 2012?
Íngrid Betancourt: Nós não nos surpreendemos
realmente com a notícia. Mas mesmo que estivéssemos esperando, quando isso
aconteceu, eu me vi muito emocionada. Eu me lembro de ter ido à Basílica de
Sacré Cœur para agradecer, foi incrível, porque encontrei tantos outros
colombianos fazendo o mesmo. Passamos algumas horas somente celebrando, nos abraçando
e chorando.
Íngrid Betancourt em entrevista à repórter da DW Astrid Prange
A voz da minha mãe pelas ondas de rádio foi a minha
maior espécie de conselho de segurança. Ela me ajudou a ficar pensando que eu
era um ser humano, que era amada e que era importante. Na selva, a fé também se
torna algo bem real; isso me ajudou a entender o que estava acontecendo comigo
e mudou minhas questões. No começo, eu indagava: por que eu? Mas então isso
mudou para: como posso fazer o melhor disso? Como posso me tornar uma pessoa melhor?
Como posso entender o que devo aprender aqui? Isso não teria sido possível sem
a fé. Se você não acredita que Deus está ali e que há uma razão, se você não
entende isso, então você está fadado a cair na amargura e na vingança.
Durante todos esses anos na selva, você teve medo
de talvez nunca ser libertada?
Eu me lembro dos guardas dizendo que eu não seria
libertada antes de ser avó. Isso me torturou no sentido de que eu passei a
calcular a idade da minha filha, do meu filho e o que isso significava em
termos de tempo. Emocionalmente, isso foi realmente muito doloroso. Mas eu
sempre pensei que voltaria para casa um dia. Algumas vezes, essa casa era até
mesmo a morte, porque isso era uma forma de escapar do controle da guerrilha,
uma forma de libertação. Mas quando fui resgatada, como tudo aconteceu tão de
repente e não tínhamos como prever o que estava para acontecer, a emoção foi
enorme.
Você acha que o acordo de paz entre o governo
colombiano e os rebeldes das Farc leva suficientemente em consideração o
sofrimento das vítimas?
O que é suficiente? Nada é suficiente. No meu caso,
o que poderia ser justiça para mim? Nada! Como substituir as pessoas de quem
senti falta? Meu pai se foi enquanto eu estava em cativeiro. Como substituir os
anos sem meus filhos? Então, não acredito que esta seja a pergunta certa.
Qual seria então a pergunta certa?
Para mim, a pergunta certa a se fazer e a se
responder é: por que estamos fazendo isso? Acho que fazemos isso para que, no
futuro, nenhum colombiano sofra o que sofremos. Temos a resposta certa, porque
estamos salvando vidas. Estamos poupando traumas, protegendo famílias e dando
aos colombianos a oportunidade de ser um país em paz.
Na minha geração, nunca vivenciamos o que isso
significa. Como colombiana, a única maneira de me relacionar com meu país é
através do sofrimento. Espero que meus filhos e meus netos se relacionem com um
país lindo, de uma forma positiva e amorosa.
O povo colombiano será questionado em referendo se
concorda com o acordo de paz. Por quê? Há muitos que se opõem ao acordo?
Por um lado, parece estranho que um país que sofreu
tanto com a violência e a guerra discuta se quer ou não a paz. Mas, na
Colômbia, uma parte da sociedade está profundamente ligada à luta como meio de
vida. Há o negócio belicoso que enriquece muita gente, há a política da guerra
que dá poder a muitos líderes, e há a corrupção que depende dos combates. As
pessoas que votam "não" não podem dizer que querem a continuidade da
guerra. Então, elas usam outros argumentos, e é isso o que está acontecendo.
O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, era
considerado um linha-dura. Ele queria derrotar as Farc por meios militares.
Agora, ele vai assinar um acordo de paz com os rebeldes. O que o fez mudar de
ideia?
De fato, Juan Manuel Santos era um linha-dura, mas
ele é um líder com uma reflexão sobre a história da Colômbia. E ele entendeu
que, com a morte dos primeiros líderes das Farc – Manuel Marulanda, Raul Reyes,
Alfonso Cano –, esses foram substituídos por pessoas mais jovens, que não tinham
as mesmas habilidades militares, que estavam abertas a uma solução política.
Ele aproveitou a oportunidade com uma contraparte que estava disposta a
negociar a paz.
Você chegou a conhecê-lo?
Sim, muito!
Você o convenceu a mudar de idéia?
Não! Acho que ele estava realmente convencido de
que esse era o caminho a seguir. E eu só posso aplaudir, porque há tantas
forças locais que querem que a guerra continue, sem fim! Acho que ele é
destemido e corajoso. Se for bem-sucedido em seu plano, será o colombiano que
lembraremos na história.
Betancourt foi libertada das mãos das Farc em julho de 2008
Parece que a maior parte das vítimas, como você,
está clamando por reconciliação. Você pode falar pela maioria delas?
Perdão é algo muito pessoal e íntimo. Perdão não é
algo que se pode falar pelos outros, porque ele engloba não somente seu desejo
e vontade, sua reflexão e intelectualidade, mas também suas emoções. E quem
está no controle das próprias emoções? Eu ainda luto com as minhas! Então,
mesmo que eu tenha me comprometido a perdoar, eu compreendo perfeitamente que
outras vítimas sejam incapazes disso. Dependendo do sofrimento e da forma como
se lida com isso, às vezes, é impossível perdoar.
Você acha que existe uma chance real de reintegrar
os rebeldes das Farc à sociedade? Eles poderão garantir o próprio sustento em
tempos de paz? Ou serão contratados pelos cartéis de droga?
Este é o grande desafio que enfrentamos como
sociedade. Os colombianos são convidados a receber essas pessoas das Farc, que
irão entregar suas armas e ser desmobilizadas. Eles [os ex-guerrilheiros] devem
ser capazes de exercer uma atividade que seja digna, com a qual possam viver
legalmente, fora da miséria e da pobreza.
Exemplos anteriores semelhantes a essa situação são
o caso dos paramilitares. E esse foi uma espécie de fiasco, porque alguns
líderes foram extraditados, e o resultado dessas extradições não foi muito
claro, pois acabaram passando menos tempo na prisão do que passariam na
Colômbia. Mais do que isso: muitas organizações paramilitares mudaram,
simplesmente, de rótulo e se tornaram organizações criminosas ligadas ao
narcotráfico e também a outras atividades ilegais. A presença delas é
perturbante para a segurança dos cidadãos ainda hoje na Colômbia.
Você sempre esteve envolvida com a política. Você
pensa em concorrer à presidência na próxima eleição?
(sorrindo) De forma alguma! Eu nunca pensei em me
candidatar para a presidência nem para um mandato no Parlamento.
Não há plano algum de voltar à política colombiana,
mesmo se o presidente Santos lhe pedisse?
Não. Isso não quer dizer que eu não vá voltar. Mas
as coisas podem mudar. Não tenho uma bola de cristal, então, não posso dizer
nunca. Mas há outros fatores determinantes que fazem com que uma resposta a
essa pergunta seja muito complicada.
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