ANA FONSECA PEREIRA
Comissão de inquérito da ONU afirma que só em Alepo 20 unidades de saúde foram destruídas pela aviação desde o início do ano. ONG lembra que "sempre que se mata um médico, está a matar-se todas as pessoas que ele poderia ter salvo".
Depois da esperança da trégua, no já distante mês
de Fevereiro, o horror de um Verão em que se assistiu ao “aumento trágico da
violência contra os civis na Síria”. Meses que trouxeram combates mais ferozes
do que nunca e um número sem precedentes de ataques das forças governamentais a
hospitais e clínicas no país, denuncia a comissão de inquérito das Nações
Unidas.
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“A intensificação dos ataques contra instalações
médicas – incluindo maternidades, unidades pediátricas e serviços de urgência –
é um flagrante desrespeito da letra e do espírito da lei humanitária”, acusou
Paulo Pinheiro, o brasileiro que encabeça a comissão mandatada pelo Conselho de
Direitos Humanos para investigar as atrocidades cometidas na guerra da Síria.
Na apresentação do último relatório – onde uma vez
mais o Exército sírio e os rebeldes são acusados de ataques indiscriminados
contra zonas residenciais, incluindo cercos, bombardeamentos, mas também
sequestros e tortura –, o responsável da ONU repetiu aquilo que várias
organizações humanitárias dizem há meses: a destruição de hospitais “visa
aumentar o sofrimento de civis com o objectivo de obter vantagens militares”.
Uma estratégia que ganha uma tenebrosa eficácia nas zonas cercadas, como Alepo, onde desde o início do ano as forças do Presidente Bashar al-Assad e dos seus
aliados destruíram 20 hospitais, segundo a contagem da ONU.
“Sempre que se ataca um hospital não se está a
destruir apenas uma estrutura. Está a destruir-se um lugar seguro a que as
pessoas podem ir para obter a ajuda que lhes pode salvar a vida. Sempre que se
mata um médico não se está apenas a matar um indivíduo, está a matar-se todas
as pessoas que ele ou ela poderia ter salvo”, disse no mês passado à emissora
pública norte-americana PBS Widney Brown, responsável da associação Médicos
pelos Direitos Humanos (MDH). Segundo a organização, desde o início da guerra
houve 375 ataques contra 265 unidades de saúde, que resultaram na morte de 750
médicos, enfermeiros e socorristas – 90% foram atribuídos às forças do regime.
Em Agosto, cerca de metade dos 35 médicos que
resistem no Leste de Alepo, sob controlo dos rebeldes, escreveram uma carta ao
Presidente norte-americano, Barack Obama, suplicando-lhe que interviesse para
impor uma zona de exclusão aérea sobre a cidade. Contavam que só no mês
anterior os hospitais em que trabalham foram atacados 15 vezes. Os piores aconteceram no dia 23 de Julho, quando a aviação – não se sabe se Assad se dos
seus aliados russos – deixou inoperacionais o único banco de sangue e quatro
hospitais, incluindo uma das últimas maternidades e um centro pediátrico. Neste
hospital, quatro recém-nascidos morreram nas suas incubadoras. Na zona restam
agora apenas dois obstetras e um pediatra para uma população de 300 mil
pessoas, metade das quais crianças.
“Ao atacar e tornar inoperacionais [os hospitais]
priva-se a população dos meios de sobrevivência, forçando-a a escolher entre a
fuga ou a rendição”, disse ao site Daily Beast James Le Mesurier, o fundador da
organização de socorristas voluntários conhecidos por “Capacetes Brancos”. Foi
o que aconteceu em Daraya, um subúrbio de Damasco que se rendeu a 26 de Agosto,
depois de quatro anos cercada pelo Exército. Na semana anterior, o último
hospital que ali funcionava foi bombardeado pelas forças do Presidente Assad,
ele próprio um médico, especializado em oftalmologia, recorda a Economist. “Não
é que não tenha havido hospitais bombardados na no Afeganistão, no Iémen, na
Somália ou no Sudão”, disse à revista Susannah Sirkin, dos MDH. “Mas isto é um
outro nível. Assad decidiu apontar as suas armas contra o sistema de saúde.”
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