Tony Blair, então primeiro-ministro do Reino Unido, visita tropas britânicas no Iraque, a 29 de maio de 2003
| REUTERS/POOL/STEFAN ROUSSEAU
Relatório
sobre o envolvimento do Reino Unido na guerra do Iraque é arrasador
para o ex-primeiro-ministro Tony Blair
A
20 de março de 2003 as forças britânicas e norte-americanas
invadiram o Iraque para tentar pôr um ponto final no regime de
Saddam Hussein. Mas ainda havia espaço para a paz. "Concluímos
que o Reino Unido escolheu juntar-se à invasão do Iraque antes de
todas as opções pacíficas para o desarmamento terem sido
esgotadas. Naquele momento, a intervenção militar não era um
último recurso." Esta é uma das conclusões do chamado
Relatório Chilcot, ontem divulgado e apresentado por Sir John
Chilcot, membro do conselho privado da rainha Isabel II.
Tony
Blair não fica bem na fotografia. Segundo a investigação, o
ex-primeiro-ministro britânico apresentou ao Parlamento e ao público
os julgamentos dos serviços secretos sobre a existência de armas de
destruição maciça, "com uma certeza que não se justificava".
De acordo com o relatório, Blair confiou em demasia nas suas crenças
e esse terá sido o seu maior pecado.
A
equipa de investigadores, chefiada por Chilcot, concluiu ainda que,
"apesar de muitos avisos, as consequências da invasão foram
subestimadas" e que "o planeamento e os preparativos para o
Iraque pós-Saddam, no rescaldo da guerra, foram inadequados".
O
relatório foi encomendado em 2009 pelo então primeiro-ministro
Gordon Brown. Depois de sete anos, dez milhões de libras investidos
(11,7 milhões de euros) e 2,6 milhões de palavras (quase três mil
vezes o tamanho deste texto) o documento foi tornado público.
Um
dos pontos que mais polémica provocaram ontem no Reino Unido foi uma
carta que Blair enviou a George W. Bush oito meses antes do início
da guerra. Na missiva, de 28 de julho de 2002, o primeiro-ministro
britânico garantia ao presidente norte-americano que estaria ao seu
lado "acontecesse o que acontecesse" (whatever, no original
em inglês). O relatório sugere que não era necessário este
comprometimento cego para garantir boas relações entre os dois
países.
Ainda
que a investigação seja arrasadora para Tony Blair, em nenhum
momento ela conclui que o ex-primeiro-ministro agiu de má-fé. Foi
essa, aliás, a boia de salvação a que o ex-líder trabalhista se
agarrou ontem na conferência de imprensa em que comentou os achados
da equipa de investigadores.
"Este
relatório serve para pôr fim a todas as acusações de mentiras.
Quer as pessoas concordem ou não com a minha decisão de agir
militarmente contra Saddam Hussein, fica claro que foi uma decisão
tomada de boa-fé e com a intenção de melhor servir os interesses
do Reino Unido", disse Blair.
O
ex-primeiro-ministro britânico, emocionado, confessou que a invasão
do Iraque foi de longe a "decisão mais difícil" que teve
de tomar durante os dez anos (1997--2007) em que chefiou o governo.
"Assumo
a total responsabilidade, sem procurar quaisquer desculpas. As
indicações dos serviços secretos vieram a revelar-se erradas e o
pós-guerra mais hostil e sangrento do que alguma vez imaginámos. A
coligação [militar] elaborou planos para uma determinada realidade
e encontrou outra, e uma nação que queríamos libertar de Saddam
acabou por tornar-se vítima do terrorismo sectário. Por tudo isto
expresso mais arrependimento do que vocês alguma vez poderão
acreditar", afirmou Blair.
O
ex-primeiro-ministro também reservou críticas para Chilcot, por em
nenhum momento do relatório ser avaliado o que poderia ter
acontecido se Saddam tivesse continuado no poder. Para Blair, não
era impossível que o ditador ainda estivesse à frente dos destinos
do país em 2011, aquando do início da chamada Primavera Árabe,
argumentando que nessas condições a situação poderia ter
descambado numa guerra civil com as mesmas consequências do atual
conflito na Síria. Ainda assim, não é preciso entrar em
especulações para constatar que o Iraque pós-Saddam tem sido tudo
menos pacífico.
John
Chilcot, na apresentação que fez das conclusões, reservou uma
referência para a cimeira dos Açores, nas vésperas da invasão,
quando Durão Barroso, então primeiro--ministro português, recebeu
na base das Lajes o seu homólogo espanhol, José María Aznar, Bush
e Blair.
"A
visão para o Iraque e para o seu povo - elaborada pelos EUA, Reino
Unido, Espanha e Portugal - incluía a obrigação de ajudar os
iraquianos a construir a paz no seu país e com os seus vizinhos.
Antecipavam um Iraque unido, próspero, democrático e respeitador
dos direitos humanos", explicou Chilcot, para concluir que todo
o rescaldo foi mal planeado e mal preparado.
"Peço
desculpa" pelo Labour
Jeremy
Corbyn também falou ontem na sequência da apresentação das
conclusões de Chilcot. Sem endereçar críticas diretas ao seu
antecessor Tony Blair, o líder do Partido Trabalhista pediu perdão.
"Em nome do meu partido peço as mais sinceras desculpas pela
desastrosa decisão de declarar guerra ao Iraque em 2003. Este pedido
de desculpas vai em primeiro lugar para o povo iraquiano. Perderam-se
centenas de milhares de vidas e o país ainda vive com as
consequências devastadoras da guerra. Eles [os iraquianos] pagaram o
preço mais elevado pela mais calamitosa decisão de política
externa nos últimos 60 anos", afirmou Corbyn.
Também
George W. Bush, através de uma porta-voz, reagiu à divulgação do
Relatório Chilcot. "Apesar das falhas dos serviços secretos e
de outros erros que foram cometidos", o ex-presidente dos EUA
"continua a acreditar que o mundo é um lugar melhor sem Saddam
Hussein". Bush agradeceu ainda os sacrifícios dos militares que
participaram na Guerra do Iraque e sublinhou que o Reino Unido
liderado por Tony Blair foi o maior aliado que os Estados Unidos
poderiam ter tido. "O presidente Bush acredita que temos de
encontrar união e perseverança para continuar na ofensiva e
derrotar o radicalismo extremista onde quer que ele exista",
acrescentou ainda a porta-voz do ex-líder norte-americano.
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