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Desde 2001, novas usinas e linhas de transmissão foram construídas, mas País perdeu capacidade de armazenamento de água

RENÉE PEREIRA - O Estado de S.Paulo
O traumático racionamento ocorrido em 2001 ensinou algumas lições importantes para o Brasil. De lá pra cá, a capacidade do parque gerador brasileiro - que vivia sob intensa paralisia - cresceu 56%, e o sistema de transmissão, um dos principais vilões do contingenciamento ocorrido naquele ano, avançou 54%. Mas, apesar dos investimentos feitos e do incremento de novas fontes de energia na matriz elétrica, o sistema nacional está cada dia mais vulnerável e sujeito ao humor de São Pedro.
No ano passado, embora o crescimento da economia tenha decepcionado e a seca que atingiu o País não esteja entre as piores da história, o nível dos reservatórios caiu mais rápido que o previsto. Com as represas em baixa e chuvas ainda escassas, o risco de um novo racionamento voltou a rondar a vida dos brasileiros, apesar de o governo federal afirmar que vai garantir o abastecimento com a operação das térmicas - em 2001, essas usinas praticamente não existiam.
Um dos principais motivos da maior fragilidade do sistema nacional está nas restrições para construir hidrelétricas com reservatório. Por questões ambientais, as grandes usinas que estão sendo construídas Brasil afora são a fio d'água e não têm represa para guardar água, a exemplo das Hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio. Isso significa que o País está perdendo capacidade de poupança para suportar períodos com hidrologia desfavorável, como agora. "Temos de contar com a natureza", diz o diretor da Coppe/UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa.
Limites. Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que em 2001 a capacidade dos reservatórios era suficiente para seis meses de carga de energia de todo o sistema interligado nacional. Em 2009, o volume tinha caído para cinco meses. E, em 2019, será suficiente para apenas três meses.
Portanto, o fato de o País escapar de um racionamento agora não elimina os riscos no próximo ano. Se não chover bastante até o fim do período úmido, os reservatórios vão terminar 2013 piores do que em 2012. Foi assim que ocorreu o racionamento de 2001. No fim de 1999, choveu pouco e os reservatórios caíram bastante. No início de 2000, as chuvas conseguiram recuperar o volume de armazenamento, mas não foi o suficiente para evitar o contingenciamento no ano seguinte, quando as chuvas minguaram novamente.
As usinas a fio d'água tendem a agravar a dependência climática. Além da falta de reservatório, as hidrelétricas do Norte ainda sofrem de outro mal: a forte variação do volume de água no período seco e no período úmido. No Rio Xingu, por exemplo, onde está sendo construída Belo Monte, a diferença é de 25 vezes. Em Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, é de 11 vezes. No Sudeste, de apenas 5 vezes.
"Com a entrada em operação das novas hidrelétricas, a operação do sistema vai virar um inferno", diz o consultor Mario Veiga, presidente da PSR Consultoria. Segundo ele, os prejuízos desse modelo são enormes, já que afetam outras fontes de energia, como a viabilidade das eólicas. Um reservatório tem capacidade de armazenar tanto água como vento. Se num determinado período está ventando muito, o operador pode diminuir a produção da hidrelétrica, guardar água e atender à demanda com as eólicas.
Sem represa, no entanto, o operador precisa de outras garantias, já que as eólicas também são dependentes das condições climáticas. "Pior: quando não venta o calor aumenta. Por um lado a geração de energia diminui e, por outro, o consumo sobe", destaca a coordenadora do Núcleo de Energia do FGV in company, Gorete Pereira Paulo.
Equilíbrio. Na opinião dela, o País precisa apostar mais na energia térmica para dar segurança ao sistema. Quanto mais usinas a fio d'água forem construídas, maior a necessidade de termoelétricas para garantir o abastecimento em momentos de instabilidade climática. Dois outros especialistas também defendem maior participação das usinas na matriz brasileira.
Roberto Pereira D'Araújo e Luiz Pinguelli Rosa acreditam que a situação atual poderia ter sido evitada se as térmicas tivessem entrado em operação mais cedo. "Hoje 70% da capacidade de geração é hidráulica, mas as usinas geram 90% da energia do País. As térmicas representam mais de 20% do parque gerador, mas produzem apenas 10%. Isso precisa mudar", diz D'Araújo.
O professor da Coppead, Nivalde Castro, vai além: algumas térmicas precisariam gerar na base, sem parar. Hoje as usinas são contratadas por disponibilidades. Ficam paradas à espera de um chamado do ONS. "A quantidade de água nos reservatórios não é mais suficiente para atender ao período seco. O governo terá de fazer leilões por fonte, por região e numa forma de contrato diferente da atual."
Apesar dos prejuízos e dos transtornos que virão, poucos acreditam numa reversão do atual modelo das hidrelétricas por causa da pressão ambiental. Foi uma escolha que diminui os impactos ambientais, especialmente na Região Norte, mas aumenta a instabilidade do sistema e também pode aumentar o custo da energia, com a necessidade de mais térmicas. "Ninguém quer construir hidrelétricas a qualquer custo. Mas também não podem proibir a qualquer custo", diz Mario Veiga.




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