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Na terceira matéria do nosso especial sobre o “Helicoca”, trazemos uma entrevista exclusiva com o piloto da aeronave, Alexandre José de Oliveira Júnior.
O projeto “O Helicóptero de 50 Milhões de Reais” foi totalmente patrocinado pelos leitores através de crowdfunding.
Há um ano e meio, numa reportagem que mostrou São Paulo como a cidade com a maior frota de helicópteros do mundo, os repórteres da RedeTV! estiveram num hangar no Campo de Marte onde funcionava uma das escolas de pilotos que mais cresciam no Brasil.
Era a JR Helicópteros, de Alexandre José de Oliveira Júnior. Das quatro pessoas entrevistadas, três trabalhavam na escola.
Alexandre indicou quem daria entrevistas, mas não quis aparecer. Acompanhou tudo atrás das câmeras e se divertiu. No intervalo da gravação, pegou o microfone e se fez passar por repórter.
Eram os dias de glória da JR Helicópteros. Com uma política agressiva de captação de alunos, em dois anos a escola aumentou sua frota de dois para cinco helicópteros.
Um juiz da Justiça Federal, um delegado e um investigador da Polícia Civil faziam parte do grupo de instrutores da JR Helicópteros. Em quatro anos, Alexandre foi de estagiário da Agência Nacional da Aviação Civil, a ANAC, a empresário respeitado no Campo de Marte.
Com diploma de bacharel em aviação civil pela Universidade Anhembi-Morumbi, casou-se, aceitou o convite para fazer parte de uma loja maçônica e comprou um apartamento. Tudo isso com apenas 26 anos de idade.
No dia 24 de novembro, o sonho de Alexandre desmoronou. Ele foi preso depois de transportar quase meia tonelada de pasta base de cocaína a bordo do helicóptero que pertencia ao senador Zezé Perrella e seu filho, o deputado Gustavo Perrella.
“Estou acabado. Minha empresa quebrou e não consigo emprego. Quem vai entregar helicóptero para um piloto que foi preso com 445 quilos de cocaína?”, me pergunta Alexandre, na primeira entrevista que concedeu depois que foi solto pela Justiça Federal no Espírito Santo, após passar três meses e meio na cadeia.
Ao deixar a prisão, no dia 8 de abril, Alexandre voltou para São Paulo e, no dia 10 de abril, foi para o Campo de Marte, onde se reuniu com alunos da escola, em busca de uma solução para as horas de voo pagas e não entregues.
“A escola funcionava assim: eu vendia adiantado as horas de voo e os alunos me davam cheques pré-datados. Agora eu estou entregando os três helicópteros que restaram para outra escola dar as aulas”, afirma.
A reunião com os alunos no Campo de Marte durou pouco. A polícia foi chamada e quatro homens armados de fuzil expulsaram Alexandre dali. “Sou hoje um pária”, diz. “Tenho muita vergonha”.
Além do flagrante no Espírito Santo, Alexandre foi citado como participante de um plano mirabolante para resgatar chefes do PCC presos em São Paulo.
“É mentira”, diz. “Foi para desmentir esta história sem pé nem cabeça que eu aceitei dar esta entrevista. Respondo pelos meus erros, mas não aceito que coloquem na minha conta o que eu não fiz”.
A entrevista com Alexandre, que durou quatro horas e meia, aconteceu no escritório do advogado dele, no bairro de Pirituba, aonde, com trânsito bom, se chega em 40 minutos de carro, a partir do centro da cidade.
Alexandre se atrasou. Ao chegar, cumprimentou o advogado com um beijo no rosto. Vestia calça jeans e camisa azul com três pequenas letras bordadas na altura do bolso – CKJ (as iniciais deles são AJOJ).
Usava um grande relógio no pulso esquerdo, um vistoso anel na mão direita, com uma pequena cruz vermelha em relevo, e uma corrente no pescoço. Tudo dourado.
Com a cabeça raspada à navalha e os acessórios chamativos, fez lembrar uma celebridade do funk ostentação.
Alexandre diz que só soube que transportava cocaína depois que chegou a Afonso Cláudio, quando dois homens que aguardavam o helicóptero abriram as bolsas pretas onde estava a droga, e retiraram tabletes.
“Eu fui contratado para trazer eletrônicos e medicamentos veterinários do Paraguai. Para mim, era contrabando de mercadorias, não tráfico de drogas”, afirma.
Nas mensagens encontradas pela Polícia Federal nos telefones móveis usados por Alexandre, a história é diferente.
Ele usa um BlackBerry e conversa com o piloto do senador Perrella, Rogério Almeida Antunes, por mensagens, possivelmente imaginando que a criptografia do programa impedia o grampo policial.
No início, Alexandre usa o codinome Fire I e diz a Rogério que, se ele fizer o transporte, “nunca mais vai precisar de $ e nem banca”. Banca é, segundo a Polícia Federal, um esquema ilícito de aprovação de pilotos na ANAC.
Rogério, que usa o apelido Canhão do Asfalto, pergunta:
– É açúcar? Farinha de trigo? KKKKKK.
Alguns dias depois, Alexandre volta a falar com Rogério, mas já usa outro aparelho e outro codinome, este mais curioso. Ele se apresenta como Marcelo Rezende, apresentador da Record.
Na mensagem, avisa:
– Oi, Barão. Vamos ganhar dinheiro.
Rogério, o Canhão do Asfalto, acha engraçado:
– Ahahahaha, fala Rezende… Corta pra Marte, corta pra São Paulo [uma referência aos bordões de Rezende].
Alexandre diz a Rogério que vai cobrar R$ 250 mil pelo transporte e garante que o piloto do senador Zezé ficará com aproximadamente R$ 150 mil, para cobrir as despesas com hora de voo, mais 50 mil por dia de trabalho.
Na entrevista, Alexandre diz que o pagamento seria feito por Harley, um codinome que aparece na transcrição das mensagens, mas ele diz não saber muito mais do que isso. Teria uma loja na 25 de Março, mas ele não sabe onde fica.
Confrontado com a fragilidade da informação, reconhece que é difícil mesmo acreditar na sua história. “Mas é a verdade.” Diz que foi usado e admite. “Tenho medo de morrer”.
Sobre o que pode contar, Alexandre dá detalhes. Diz que o voo do helicoca saiu de São Paulo sexta-feira à tarde, foi para o aeroporto de Avaré, onde pernoitou.
Estive neste aeroporto, que é administrado pelo governo do Estado de São Paulo. Soube que o avião chegou perto do por do sol, ficou ali, enquanto os dois tripulantes foram levados de táxi para o hotel Vila Verde.
Na manhã seguinte, reabastecido, saíram. Num aeroporto privado, em Porecatu, no Paraná, fizeram escala para reabastecimento e partiram para a região da fronteira.
O GPS indica que pousaram em Pedro Juan Caballero, do lado paraguaio. Alexandre diz que foi em Ponta Porã, do lado brasileiro. Não é apenas um detalhe.
Se assumir que esteve no Paraguai, Alexandre estará confessando participação no tráfico internacional de entorpecentes, com pena mais severa.
Da fronteira, os dois voltaram para São Paulo, com duas paradas, uma em Porecatu e outra em Avaré, onde permitiram que um funcionário fizesse o reabastecimento, apesar do helicóptero estar abarrotado de sacolas com cocaína.
De Avaré, foram para Jarinu, na Grande São Paulo, num pouso que, apesar de muito importante, ainda não teve a investigação aprofundada pela Polícia Federal.
“Deixamos a droga num hotel fazenda, com três homens num jipe verde”. O hotel fazenda é o Parque Danape, um dos maiores da região, e um dos proprietários tem de fato um jipe verde.
Com o helicóptero vazio, foram para o Campo de Marte, onde o helicóptero pernoitou. Os dois foram para o apartamento de Alexandre.
Neste apartamento, Rogério trocou mensagem com um primo e contou que transportava “coca”.
No dia seguinte, Alexandre diz que voltou ao hotel fazenda, onde a droga foi novamente colocada no helicóptero. Ele conta que havia três sacolas a menos, coisa de 50 quilos de cocaína que teriam ficado nesta escala.
Numa investigação preliminar, agentes da Polícia Federal estiveram nas imediações do hotel sem se identificar e produziram uma informação técnica que foi juntada ao inquérito.
No relatório da investigação, a Polícia Federal recomenda outras diligências e, entre parênteses, registra que ali podem estar os proprietários da droga. É um registro curto, até agora sem desdobramento.
Do hotel em Jarinu, o helicóptero foi para Divinópolis, em Minas Gerais, onde houve novo reabastecimento, com a droga no bagageiro e no banco traseiro da aeronave.
Em seguida, para Afonso Cláudio, onde aconteceu a apreensão.
O trajeto relatado por Alexandre tem algumas diferenças em relação ao definido no inquérito da PF feito com base nos registros do GPS.
Por esses registros, o helicóptero teria parado em Santa Cruz do Rio Pardo, a 60 quilômetros de Avaré, no aeroporto de Jundiaí e em Sabarazinho, no interior de Minas.
“Não paramos nestes lugares”, afirma Alexandre. Eu estive na zona rural de Santa Cruz do Rio Pardo, onde, em outros tempos, foi encontrada droga jogada do alto do avião.
No ponto informado pelo GPS há um pasto, com muitos vizinhos. Ninguém nunca viu ou ouviu helicóptero por ali.
“Às vezes, o helicóptero faz um 360 no ar, num movimento de espera. O GPS indica um ponto parado, mas não houve pouso. Ficamos no ar. É uma manobra para esperar o mau tempo passar”, diz o piloto. “Acho que foi isso que aconteceu”.
Por serem pilotos, Alexandre e Rogério se destacam no resultado da investigação, mas a elucidação deste caso talvez dependa mais de outras buscas.
O hotel em Jarinu é uma boa pista, como admite a polícia. Outra trilha ainda não percorrida é seguir o rastro de Robson Ferreira Dias, vulgo Vovô, qualificado no inquérito como comerciante em Araruama no Rio de Janeiro.
Robson era o homem que carregava o dinheiro e aguardava o helicóptero em Afonso Cláudio, na companhia de Everaldo Lopes Souza, um funcionário braçal.
O quinto indiciado neste caso de tráfico é o empresário Élio Rodrigues, do Espírito Santo.
Élio é dono da propriedade programada para receber o helicóptero e tem também uma empresa em Itapemirim, a Arte Rochas, que trabalha com mármore, um tipo de matéria prima usada para esconder cocaína em outros casos descobertos no Espírito Santo.
Élio prestou depoimento duas vezes na Polícia Federal. Na primeira, negou elo com o carioca Robson. Mas ele surgiu através da descoberta de que, em 2013, os dois se associaram num negócio de futebol profissional.
Élio e Robson levaram do Rio de Janeiro para Vitória um jogador de futebol de nome David. O atleta ficou hospedado numa quitinete de Élio, enquanto treinava no Desportiva, um dos principais times de futebol profissional do Espírito Santo.
Nas conversas com outros membros da quadrilha, Robson, que tem 56 anos, usa o codinome Vovô. Ele se reporta a dois homens que parecem superiores na hierarquia, Giga e Frajola, de quem recebe ordens.
Se a PF descobrir os nomes por trás desses apelidos, estará solucionado o mistério do Helicoca, que vai muito além de qualquer acrobacia de Alexandre.
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