RIO - Preservados durante séculos em um conjunto de cavernas naturais e artificiais na montanhosa região de Qumran, poucas dezenas de quilômetros a Leste de Jerusalém, os Manuscritos do Mar Morto incluem os mais antigos textos bíblicos já encontrados. Datados em sua maioria de entre o terceiro século antes de Cristo aos primeiros cem anos da Era Cristã, eles são relíquias da fé de uma seita judaica da época do nascimento de Jesus, conhecida como essênios, e testemunhos físicos da antiga busca da Humanidade por um sentido para a vida por meio da espiritualidade que encontra eco nos milhares de peregrinos que participam esta semana da Jornada Mundial da Juventude. Curador do Santuário do Livro, que abriga os manuscritos em posse do Museu de Israel, Adolfo Roitman vem ao Rio na próxima semana para seminário marcado para a manhã de sexta-feira na Associação Religiosa Israelita (ARI), em Botafogo. Para ele, as lições espirituais desta comunidade da antiguidade ainda são válidas para os dias atuais.
- Os manuscritos nos dão uma nova perspectiva sobre a espiritualidade dos judeus na época do Segundo Templo de Jerusalém (516 a.C. a 70 d.C.) - conta Roitman. - Foi uma época crucial para o desenvolvimento da civilização ocidental, pois naquele tempo Ocidente e Oriente se encontraram e foram lançadas as fundações sobre as quais ela foi construída: a cultura greco-romana, a judaica rabínica e a cristã. Os Manuscritos do Mar Morto vêm exatamente deste período.
A maior parte dos manuscritos é formada por documentos religiosos. Ao todo, são aproximadamente mil textos, com cerca de 90% escritos em hebraico, 8% em aramaico e 1% a 3% em grego. Por volta de 230 são classificados como “manuscritos bíblicos”, isto é, múltiplas cópias completas e parciais de quase todos os livros que fazem parte da atual Bíblia hebraica, com exceção do Livro de Ester. O restante abrange ainda uma variada gama de escritos religiosos, incluindo exegeses, hinos, orações, calendários rituais e textos apocalípticos, dos quais cerca de um quarto rotulados como “sectários”, representando as crenças e filosofia da comunidade essênia que ocupava a região na costa Noroeste do Mar Morto.
Segundo Roitman, se a reconstrução da História desta seita feita pelos estudiosos a partir dos textos estiver correta, a comunidade de Qumran foi fundada por clérigos, entre eles provavelmente alguns integrantes do alto clero de Jerusalém, que deixaram para trás uma vida de relativo luxo para a época ao se mudarem para as cercanias do Mar Morto.
- Então, como hoje, Jerusalém era o mais importante centro religioso de Israel e o único lugar onde estes antigos povos tinham acesso a uma educação religiosa de alto nível – conta Roitman. - Isso nos obriga a perguntar por que estes altos clérigos deixaram a grande cidade de Jerusalém e foram morar no meio do nada? Talvez porque estivessem em uma busca espiritual por respostas às questões prementes que tinham na época. E nós, pessoas destes tempos modernos, também enfrentamos questões parecidas e buscamos respostas para elas. São questões transcendentais que vão muito além da materialidade. Bilhões de pessoas na Terra de hoje também sentem que falta mais espiritualidade diante do atual estágio de desenvolvimento da sociedade moderna, com todos seus grandes avanços tecnológicos e materiais. Elas também procuram pelo sentido, pelo significado da vida. Não é o bastante poder viajar rapidamente para onde e quando quiser, não é suficiente ter um, dois ou três carros. E daí? Quantos carros uma pessoa precisa ter? Neste sentido, os Manuscritos do Mar Morto são muito relevantes para nós, mesmo depois de passados 2 mil anos de História.
De acordo com Roitman, as pesquisas arqueológicas em Qumran sugerem que a comunidade dos essênios locais levava uma vida muito simples e ascética. As construções não tinham as paredes pintadas e tampouco eram decoradas com os mosaicos comuns da época mesmo em Jerusalém, onde alguns bairros tinham um estilo de vida semelhante ao que se encontrava em Roma, Pompeia ou outras grandes cidades de época.
- Isso de novo nos dá uma ideia de que tipo de povo era este da comunidade de Qumran – diz. - Eram pessoas duras, talvez até extremistas de um ponto de vista da ideologia da época. Assim, não temos que concordar com tudo que escreveram, mas pelo menos temos que levá-los a sério.
Para Roitman, o uso de novas ferramentas na análise dos manuscritos, como uma tecnologia de imagens trazida pela Nasa que permitiu decifrar pela primeira vez partes antes invisíveis dos textos, e a chegada de uma nova geração de pesquisadores vão ajudar a refinar ainda mais a compreensão sobre esta comunidade em particular e o tempo em que ela vivia.
- Se no passado achávamos que tínhamos todas as respostas, hoje, como costuma acontecer com as pesquisas, uma vez que sabemos mais, menos certezas temos e mais perguntas aparecem - afirma. - Estamos mais sofisticados, novos métodos e tecnologias de análise dos manuscritos estão nos fornecendo novos fatos que nos fazem levantar novas questões sobre tópicos que pensávamos já terem sido resolvidos. Além disso, estudiosos de diferentes gerações também têm questões diferentes. Nesta atmosfera cultural e espiritual que vivemos, nestes tempos pós-modernos, vemos surgirem questionamentos que estudiosos do passado não tinham, perguntas que envolvem, por exemplo, questões de gênero, de política, de tensões sociais que no passado não existiam.
Roitman destaca ainda que nos últimos anos os estudiosos dos manuscritos vêm apresentando novas teorias para explicar o longo período que os textos abrangem e a razão pela qual estavam em cada uma das 11 cavernas espalhadas pela região de Qumran onde foram encontrados.
- Para os primeiros estudiosos, a reposta esta questão era que a comunidade de Qumran queria salvaguardar os textos, presumindo que eles estavam em perigo naquela época por causa da aproximação dos romanos do local, mas hoje, após décadas de pesquisa, temos outras teorias para a diversidade dos textos – conta. - Os manuscritos descobertos nas cavernas 1 e 4, por exemplo, hoje sabemos que são muito antigos, o que levantou questionamentos sobre por que são tão mais velhos que os outros. A resposta para isso é que eles foram levados para as cavernas muito antes da destruição da comunidade, que estimamos ter acontecido no verão de 68 d.C.. Assim, talvez a função destas cavernas fosse a de um tipo de genizah, um local onde manuscritos antigos muito gastos são armazenados, já que o judaísmo proíbe a destruição de livros sagrados. Assim, eles foram escondidos não dos romanos, mas porque estavam muito velhos e não podiam mais ser usados.
Outro exemplo citado por Roitman são os textos encontrados na caverna 7, cujo conteúdo é pouco comum quando comparado aos demais manuscritos, já que nela todos estão escritos em grego e por isso a proporção de textos nesta língua no total pode variar de 1% a 3%.
- A explicação do por que em uma caverna específica estão quase todos os textos em grego dos conjunto de manuscritos é que a pessoa que morava nesta caverna falava ou estudava grego, então eles também não foram escondidos dos romanos, mas deixados para trás por alguém que escrevia em grego ou tinha o grego como língua – comenta.
CESAR BAIMA (EMAIL) Fonte:
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