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Gravação obtida por VEJA mostra que Complexo do Lins se tornou bunker de bandidos fugidos de morros onde o estado ergueu UPPs

Leslie Leitão
LIVRE CIRCULAÇÃO - Bando armado de fuzis e pistolas e portando pacotes de munição pesada (no detalhe, à esq.) escolta o traficante PL (de camisa listrada), um dos chefes do crime no Rio: a UPP se instala e a bandidagem muda de endereço

LIVRE CIRCULAÇÃO - Bando armado de fuzis e pistolas e portando pacotes de munição pesada (no detalhe, à esq.) escolta o traficante PL (de camisa listrada), um dos chefes do crime no Rio: a UPP se instala e a bandidagem muda de endereço
O Complexo do Lins, um conjunto de onze favelas encravado na banda mais pobre da Zona Norte carioca, está sob o domínio da bandidagem há quatro décadas. Até recentemente, cumpria papel apenas secundário na organização da principal facção criminosa do Rio de Janeiro, o Comando Vermelho. Mas os tempos agora são outros - e ainda mais nefastos. Um vídeo gravado no início do mês pela polícia e obtido com exclusividade por VEJA mostra que o lugar se converteu em um grande bunker do tráfico, servindo de abrigo a marginais refugiados de vários morros do Rio. Eles se bandearam para o Complexo do Lins justamente depois que o estado fincou em seus enclaves bases permanentes - as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) -, dificultando suas atividades. Preferiram assim se encastelar em um naco da cidade onde os bandidos é que dão as ordens.
As cenas trazidas a público espantam pela naturalidade com que a quadrilha perambula pelas vielas do novo QG do crime à luz do dia, promovendo um desfile de pistolas, granadas e fuzis, e espalhando o terror por onde passa. No vídeo, de cinco minutos e quarenta segundos, um dos bandidos ainda deixa entrever em um saco de lixo papelotes de cocaína, evidência inconteste de que as atividades da gangue só mudaram mesmo de endereço. Em outro trecho, o comboio armado cruza com um morador da favela, que não desgruda os olhos de uma pipa, obedecendo com disciplina à regra elementar da convivência com os criminosos: jamais encará-los. A cena, segundo a polícia, mostra a escolta de um dos chefões do tráfico na cidade, Paulo César Souza dos Santos, 41 anos, o PL, também conhecido como Paulinho Muleta, por ser manco da perna esquerda. Foragido desde 2009, esse marginal alastrou seu raio de poder por sete morros, entre a Zona Norte e a Baixada Fluminense. Mesmo longe de sua favela de origem, o Morro da Formiga (ocupado pela polícia em 2010), Muleta continua na ativa, agora reinando no Complexo do Lins, como revela de forma inequívoca o vídeo obtido por VEJA.
As imagens foram captadas a distância pelo Serviço Reservado do Batalhão de Choque da Polícia Militar e chegaram às mãos da Secretaria Estadual de Segurança, que determinou a instauração de um inquérito na delegacia da região. Nas últimas semanas, o Complexo do Lins foi palco de uma dezena de operações policiais - uma delas logo depois do Natal, quando uma menina de 10 anos foi atingida na cabeça por uma bala perdida e acabou morrendo no hospital por falta de atendimento médico. Nenhuma dessas ações recentes, no entanto, pôs um ponto final na farra da bandidagem. A geografia da área é um grande obstáculo, com seu emaranhado de becos e vielas e uma infinidade de acessos que se descortinam por matagais que só os bandidos conhecem como a palma da mão. A polícia está convicta de que muitas outras quadrilhas egressas de favelas com UPPs estão entocadas ali. “Essas imagens são apenas a ponta do iceberg. Sabemos que há um enxame de bandidos refugiado naquele complexo de favelas”, afirma um inspetor da 26ª DP, envolvido nas investigações.
O governo do estado já inaugurou trinta UPPs desde 2008. Se o cronograma for seguido à risca, as favelas do Lins também serão ocupadas pela polícia até o fim do ano. É boa notícia. A retomada de territórios do tráfico vem cumprindo o essencial papel de levar serviços básicos a cidadãos de bem que viviam à margem do poder público. Mas o atual vídeo deixa claro que essa é apenas uma de muitas etapas a ser percorridas. A estratégia oficial de não manter segredo sobre as ocupações, com o objetivo de reduzir os riscos de confrontos sangrentos, produz como efeito colateral a fuga maciça de traficantes que escapam com seus arsenais. “É preciso investir mais pesadamente na área de inteligência para rastrear os esconderijos dos traficantes, minar seu poderio bélico e capturá-los”, enfatiza o antropólogo e especialista em segurança Paulo Storani. Sem o cerco implacável à bandidagem, os cartões-postais do crime só vão mudar de cenário.
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