Lucy Rodgers
Da BBC News
Três anos após o devastador terremoto que arrasou o Haiti, o escritório especial da ONU para o país caribenho revela que pouco do dinheiro de ajuda humanitária chegou diretamente ao governo e às organizações locais.
Na tarde de 12 de janeiro de 2010, quando a terra tremeu sob a capital Porto Príncipe, rapidamente evidenciou-se a escala épica da destruição. Muitas das frágeis construções haitianas simplesmente desintegraram, deixando 200 mil mortos e mais de 2 milhões de desabrigados.
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As cenas de sofrimento humano comoveram o mundo e levaram muitos a doar vastas somas para a ONU, entidades internacionais e ONGs.
Cerca de US$ 9 bilhões (R$ 18,3 bi) foram doados para a assistência humanitária - US$ 3 bilhões dados por indivíduos e empresas privadas e US$ 6 bilhões por governos e instituições globais (conhecidos como doadores bilaterais e multilaterais), segundo o escritório do enviado especial da ONU ao Haiti (OSE, na sigla em inglês).
Mas o que a própria OSE se pergunta é por que menos de 10% desses US$ 6 bilhões de doadores públicos chegaram ao governo haitiano, e por que menos de 1% foi dado às organizações locais.
Doações externas ao Haiti
Entre janeiro de 2010 e junho de 2012, segundo dados do Escritório Especial da ONU ao Haiti:
Total: US$ 9,04 bilhões
Sendo US$ 3 bi de doadores individuais e empresas e US$ 6 bi de doadores bilaterais e multilaterais, como governos
Desses US$ 6 bi, apenas 9,6% foram para o governo haitiano e 0,6% para organizações haitianas
"Instituições públicas foram muitas vezes deixadas de lado, (preteridas em relação a) organizações bem-intencionadas, que correram para prestar serviços de emergência", afirma o vice-enviado especial Paul Farmer, em um relatório da OSE. "Muitos montaram caras clínicas temporárias, enquanto instituições públicas não tinham fundos suficientes para pagar os salários de seus médicos e enfermeiras."
"Nossa experiência no Haiti nos faz lembrar que, quando se trata de dinheiro para ajuda, onde e como gastamos é igualmente importante ao quanto gastamos", ele conclui.
Relutantes
O relatório sugere que as preocupações quanto à corrupção e à fraqueza das instituições haitianas deixaram doadores internacionais relutantes em enviar dinheiro diretamente a organizações do país, preferindo instituições externas.
Mas os autores do texto opinam que, em vez de escantear o governo haitiano, os doadores deveriam ter feito mais para ajudá-lo a liderar os esforços de resgate.
A Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho no Haiti diz que as conclusões do relatório devem servir para um debate. "O governo precisa ter mais controle sobre mais recursos", opina Alex Claudon, representante da ONG no Haiti.
Mas ele ressalta que a situação está "visivelmente" melhorando. "O governo está liderando. Vimos isso durante a tempestade de furacões, com a chegada do Sandy. O sistema nacional está fazendo o que pode para liderar a resposta internacional."
O Programa de Desenvolvimento da ONU (UNDP) concorda que a liderança nacional está se fortalecendo. Mas sua diretora-sênior no Haiti, Sophie De Caen, diz que é importante lembrar que o país - de histórica instabilidade política e pobreza extrema - ficou seriamente danificado pela tragédia de 2010. Muitos funcionários do governo perderam suas vidas.
"O governo estava muito enfraquecido imediatamente após o terremoto, em parte por causa da morte de servidores", ela explica.
Progresso lento
A prioridade, agora, é dar ao governo capacidade de liderar. Para alguns, ele já deu um bom exemplo ao responder mais rapidamente aos furacões Isaac e Sandy em 2012.
"Foi um sucesso para o governo ter liderado nessas iniciativas", diz De Caen. "Nossa preferência é sempre ter liderança governamental, mas ainda há um longo caminho a percorrer para ter os sistemas (estatais) funcionando corretamente, e isso leva tempo."
Para muitos, porém, o progresso no Haiti tem sido lento, apesar dos bilhões de dólares em ajuda.
Cerca de 358 mil pessoas permanecem em abrigos temporários com pouco acesso a saneamento, saúde e educação, segundo a organização Oxfam.
E o governo canadense, frustrado com a lentidão, recentemente anunciou que vai rever suas contribuições ao Haiti.
Ao mesmo tempo, quem trabalha na ajuda ao país lembra das duras condições enfrentadas em janeiro de 2010.
"É preciso colocar as coisas em contexto e lembrar de Porto Príncipe três anos atrás. A destruição foi total, e depois veio a (epidemia) de cólera", diz Claudon, da Cruz Vermelha.
Os que continuam atuando no Haiti insistem que houve progresso desde então. Cerca de 80% dos destroços do terremoto foram limpos, parte deles usada para reconstruir casas e vias.
Parte dos abrigos temporários foi fechada, e mais de 53 mil pessoas puderam voltar a seus antigos bairros graças a subsídios e investimentos em serviços.
Outra razão para esperança, segundo De Caen, é o aumento na frequência escolar e o progresso ambiental (plantio de árvores e contenção de margens de rios).
Já Claudon espera que, no quarto aniversário do terremoto, outro avanço possa ser comemorado: "Nossa maior esperança é que não haja mais ninguém morando em barracas até o ano que vem", diz ele.
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