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Luis Kawaguti
Da BBC Brasil em São Paulo


Homem fuma crack em cachimbo improvisado (foto: Getty)
Homem fuma crack em cachimbo improvisado na Cracolândia, em São Paulo
Sob uma forte polêmica, começa a funcionar nesta segunda-feira um acordo entre autoridades de São Paulo que tornará mais ágil a internação forçada de usuários de crack em clínicas de desintoxicação.
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil disseram esperar que a ação não se revele mais uma operação repressiva como já ocorreu no passado na Cracolândia – com o intuito aparente de apenas tirar os dependentes de drogas do centro da cidade, sem uma forma efetiva de tratamento.
A ação é baseada em um termo de cooperação técnica assinado pelo governo do Estado de São Paulo, Tribunal de Justiça, Ministério Público e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Ela cria uma equipe integrada por médicos, assistentes sociais e juízes sediados no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), no Parque da Luz, próximo a região da Cracolândia.
Segundo o desembargador Antônio Carlos Malheiros – responsável pela parte do TJ na parceria – os dependentes químicos serão levados ao local a fim de passarem por avaliação médica. Caso o usuário necessite de uma internação e se recuse a submeter-se a ela, promotores pedirão a um juiz de plantão que decida sobre uma internação compulsória.
Hoje a lei brasileira prevê três tipos de internação: voluntária, involuntária (por determinação do médico e familiares, se o paciente não tiver condições de decidir) e compulsória (por decisão judicial).
Por ordem do juiz, os dependentes de crack que necessitarem serão imediatamente levados contra sua vontade para uma clínica especializada conveniada com o o governo. Todo o processo deve acontecer em poucas horas.
Ao anunciar a parceria na semana retrasada, o governador Geraldo Alckmin afirmou que o Estado dispõe de aproximadamente 700 leitos especializados para atender os dependentes químicos, a maioria em clínicas conveniadas.

Convencimento

Grupo usa drogas na Cracolândia, no centro de São Paulo (foto: Getty Images)
Grupo usa drogas à luz do dia na Cracolândia, no centro de São Paulo
Malheiros disse que passou mais de seis meses visitando diariamente a Cracolândia para estudar o assunto. Ele diz acreditar que a solução para o problema do crack em São Paulo não é uma política higienista, de recolhimento em massa.
Para ele, a internação compulsória dos dependentes é necessária, mas deve ser usada apenas como "um exceção a regra".
O magistrado afirmou à BBC Brasil que estratégias do governo usadas no ano anterior – nas quais a Polícia Militar dispersou usuários de drogas do centro – não são as mais adequadas.
O ponto que mais preocupa especialistas é como serão feitas as abordagens aos dependentes químicos na Cracolândia a partir desta segunda-feira: por convencimento ou coerção.
Segundo Malheiros, a ideia da parceria é que a PM esteja presente, mas não participe das abordagens – que devem ser feitas apenas por assistentes sociais e agentes de saúde.
Porém não está claro como usuários contrários à própria internação serão levados espontaneamente para a avaliação médica.
Malheiros afirmou que alguns familiares estão se organizando para convencer e levar seus parentes usuários de crack ao Cratod.
Segundo o magistrado, o tempo de internação forçada determinado pelo juiz será de acordo com a orientação dos médicos.
Leia abaixo as opiniões dos médicos psiquiatras Ronaldo Laranjeira e Dartiu Xavier da Silveira, ambos da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) sobre o tema da internação forçada:
Para o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, a internação forçada é negativa, de maneira geral. Ela se justifica apenas em aproximadamente 5% dos casos, quando o dependente de crack também apresenta um problema mental grave. Segundo ele, o tratamento de usuários de drogas mais efetivo é voluntário e envolve visitas regulares a clínicas e centros especializados.
Silveira é um renomado professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), onde coordena o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes.
Segundo ele, há situações específicas, do ponto de vista médico, nas quais se justifica a internação involuntária. Isso acontece quando o paciente apresenta psicose (delírios de perseguição e alucinações) ou risco iminente de suicídio.
"Essa pessoa pode não ter um juízo crítico da realidade e então cometer um absurdo, mas não é o crack que faz isso com ele, é o problema mental", disse.
Ele afirmou ainda que, embora os estudos sobre o tema sejam controversos, a taxa de recuperação dos dependentes é maior em um contexto ambulatorial do que no de uma internação.
"É relativamente fácil alguém ficar longe da droga quando está internado, isolado, em condições ideais. O difícil é se manter longe da droga quando você volta para o convívio com a família, com o emprego, com os problemas", disse.
"A consequência é que a grande maioria recai no primeiro mês depois da internação. Além do custo ser muito maior que um tratamento ambulatorial, a eficácia é menor".
Ele afirmou que a população de rua pode ser tratada de forma ambulatorial. Essa abordagem já é usada com frequentadores da Cracolândia. "Isso já é empregado de uma forma muito bem feita", disse.
O psiquiatra defende ainda que sejam oferecidos aos usuários o benefício das moradias assistidas – chamadas no exterior de "halfway houses", hoje ainda insuficientes no Estado -, onde eles receberiam além do teto, acompanhamento médico e ajuda para conseguir emprego e se restabelecer socialmente.
Sobre as críticas de que o número de dependentes na região não diminui ao longo dos anos, Silveira explica que o problema da Cracolândia é majoritariamente social e não médico.
"A condição de miséria da população de rua é decorrência de uma omissão do Estado, da falta de acesso a moradia, à saúde, à educação. O estado de vulnerabilidade em que eles se encontram os torna suscetíveis a se tornar dependentes químicos, mas a droga é consequência e não causa".
Segundo ele, frequentemente as autoridades fazem operações massivas na Cracolândia nas quais prevalece o caráter agressivo e repressivo em detrimento do tratamento por meio do convencimento. Ele citou como exemplo ações ocorridas no início do ano passado – onde policiais militares apenas espalharam os frequentadores da Cracolândia pelo centro da cidade.
"(Essas medidas) destroem anos de trabalho de confiança estabelecida entre o agente de saúde e o morador de rua".
"A gente precisa começar a dar a essa população condições mínimas de cidadania, de qualidade de vida. Isso é uma coisa que o Estado não quer encarar. (A atual ação) me parece mais uma tentativa de tomar uma medida com um impacto midiático, político".
"Mas a gente sabe que isso não vai resolver o problema. Um tipo de proposição dessa ordem é algo que não seria aceito em um país de primeiro mundo".

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