Por Leonardo Gonçalves
Há muito tempo, no oriente próximo, um jovem de conduta afável, filho de um carpinteiro de Nazaré, iniciou um ministério itinerante, e com uma mensagem desafiadora, em pouco tempo logrou subverter as classes mais humildes do território de Israel. Em seus discursos, falava sobre justiça social, reforma religiosa, compromisso ético e espiritualidade. Falava também na inauguração de um reino que, embora futuro, já se fazia presente no meio daquela gente.
No entanto, apesar da relevância dos temas supracitados, o tema mais maravilhoso (e escandaloso!) abordado pelo jovem rabi diz respeito à abolição da lei como meio de aproximação de Deus. Ele oferecia a promessa de perdão, amor, bondade e favor divino às pessoas que, definitivamente, não mereciam. Realmente o discurso daquele rabi era muito estranho, de modo que despertou não só a atenção das autoridades
Creio que o leitor conhece os pormenores da história acima e sabe perfeitamente de quem estamos falando. Porém, chama-me a atenção o fato de que Jesus enfrentou os líderes religiosos e ganhou deles o ódio justamente por apresentar oposição a um sistema institucionalizado que queria ter o monopólio sobre Deus. Ele era considerado subversivo porque dizia que não era em Jerusalém o local onde se deve adorar, mas em espírito e em verdade. Ele sofria retaliação porque dizia que não era necessário guardar centenas de ordenanças para encontrar a Deus. A suma da lei era: Ama a Deus e ama o teu irmão. Ele descomplicou as coisas para nós. Ele tornou tudo mais simples!
Há em nossos dias uma tendência a complicar tudo aquilo que Jesus simplificou, e adotar tudo aquilo que Ele aboliu. Não contentes com a graça barata, com a graça de graça, os homens desejam comprar de Deus o favor, mediante sacrifícios financeiros, comércio de objetos sagrados e até mesmo horas de oração em montanhas “sagradas”. Imitam a saga dos profetas do Antigo Testamento e esquecem-se que os apóstolos trilharam um caminho muito melhor!
Até a própria igreja (templo) tem se transformado em objeto de idolatria e tem deixado de ser um meio para tornar-se um fim em si mesma. Aliás, cristianismo hoje em dia está relacionado principalmente com aquelas duas horas de culto semanal. Chamamos isso de comunhão: Quem vai na igreja, está em comunhão; quem não compareceu no templo, não teve comunhão. Ora, isso é ridículo! Cristianismo não é uma vida obstinada dentro de quatro paredes. Cristianismo é um serviço no mundo. É envolver-se com pessoas num relacionamento sadio, no qual o caráter de Cristo pode perfeitamente transparecer nas nossas atitudes. Isso é adoração. Isso é culto a Deus, e comunhão com Ele e com o próximo.
Cristianismo transcende a cultura. Ele não é limitado pelas regras de vestuário que a sua (ou a minha) igreja dita. Isso são costumes humanos; e cristianismo é uma proposta transcultural.
Cristianismo transcende a religião. Deus não é uma marca patenteada pela sua denominação. Houve ao longo da história da igreja vários grupos que se distanciaram da igreja institucionalizada, mas nem por isso deixaram de ser “Igreja”. Na época eles foram taxados de hereges, mas hoje reconhecemos o valor desses movimentos. Portanto, não coloque a todos os que adoram longe dos “templos” num mesmo saco.
Cristianismo transcende a geografia. Ele não está confinado em um edifício, nem aprisionado num estatuto de igreja. A sua igreja não é a última bolacha do pacote>. É possível achar pessoas sinceras dentro (e fora!) dessas agremiações. Além do mais, quem afirma que não há salvação fora da igreja (instituição) são os católicos. Há salvação fora da “igreja”, desde que seja em Cristo.
A verdade é que nos distanciamos tanto daquela proposta de Cristo, que aqueles que – ao meditar nos evangelhos decidem voltar à estrada original, são acusados de heresia. Vagamos tão distantes da fé primitiva que qualquer que quiser, em semelhança aos apóstolos e profetas do passado, denunciar os abusos cometidos pelos sacerdotes corruptos, sofrerá retaliações. E estes, caso queiram permanecer nesta senda, deverão estar dispostos a enfrentar o rechaço daqueles que, em nome de uma paz ilógica e covarde, pecam por omissão para manter o status quo.
Há mais de dois mil anos aquele jovem rabi, filho de carpinteiro, morreu crucificado. Hoje, aqueles que dizem ser seus seguidores, crucificam os seus ideais. A graça é banida, o Reino olvidado, a justiça social esquecida, e a religião é usada como um meio de enriquecer os espertos e alimentar a avareza dos ignorantes. Não obstante, haverá um dia em que o rabi voltará, e julgará a cada um conforme as suas obras. Portanto, avalie o homem a si mesmo, aplaine seus caminhos, saia de dentro do armário e assuma o seu papel no corpo de Cristo.
Não podemos ser cristãos apenas de títulos; precisamos ser discípulos em obra e em verdade.
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Leonardo Gonçalves é missionário em Piura, no Peru, e editor do Púlpito Cristão
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